As Transformações dos Reinos: Frederico Barba-ruiva e a Liga Lombarda

A Liga Lombarda foi uma aliança formada entre 26 (depois 30) cidades da Itália setentrional para opor-se ao imperador do Sacro Império Romano-Germânico Frederico Barbarossa, também conhecido como barba-ruiva ou barba-roxa.

Do livro “Rumos do Mundo – O Nascimento da Europa pgs. 229-230 – Robert Lopez”.

Quadro – A Batalha de Legnano, 1831, por Massimo D’Azeglio. Foto: Wikipedia.

Infelizmente para os papas, Frederico Barba-ruiva veio transtornar uma partida que mal começara. Pela sua educação e preferências pertencia a sociedade feudal, mas foi o primeiro soberano europeu a tomar plena­mente consciência da importância adquirida pelas cidades e a pensar em explorá-la. Na Alemanha, o apoio financeiro que conseguiu por parte das cidades do Reno, compensou-o par­cialmente das concessões que fez aos grandes vassalos para os arrastar nas suas campanhas italianas. Na Itália, juntou em torno ao seu estandarte o que restava da classe feudal, a fim de forçar as cidades a restituírem ao Império os tributos e a obediência que já não lhe pres­tavam havia um século. Mas arvorou-se também em campeão das pequenas cidades lombardas contra Milão e pediu à jovem escola bolonhesa de direito romano argumentos para escorar a autoridade suprema do sucessor de César. Para captar o papa, mandou queimar Arnaldo da Brescia, herético que assumira a chefia de uma revolução comunal em Roma, Milão, por duas vezes forçada a capitular (1158, 1162) — da segunda vez após um cerco memorável — foi alegremente destruída pelos habitantes das co­munas inimigas.

Frederico Barba-ruiva, imperador do Ocidente, relevo de um pórtico da catedral de Freising (Alema­nha)

Então, Frederico revelou-se: como Henri­que IV antes de Canossa, mas com a eficiência que lhe permitia uma sociedade mais rica, mais culta e mais complexa, quis assumir pessoalmente a administração direta dos seus Estados. Todas as cidades italianas, inclusive as aliadas de Fre­derico, tiveram de receber representantes do imperador. Estes, cercados de cavaleiros ale­mães, extorquiram aos burgueses tributos enor­mes para a época. Frederico apropriou-se também dos domínios que Matilde legara ao papa. Todas as resistências foram implacavelmente esmagadas Nunca o Império parecera tão triunfante.

Triunfo ilusório, pois que não fora acompanhado pela moderação.

A maior parte das cidades lombardas, chocadas com os excessos dos vence­dores, coligaram-se contra o imperador, reconstruíram Milão e edificaram uma nova cidade-fortaleza para barrar o caminho a Frederico. Chamaram-lhe Alexandria, em homenagem ao novo papa, Alexandre III, que com elas se aliara. Veneza, desde há muito independente, e os Normandos da Sicília uniram-se à liga. Frederico, impotente contra tantos inimigos e contra a peste que lhe dizimava as tropas, regressara à Alemanha, Consagrou seis anos às tarefas sempre interrompidas de reconstituir o domínio imperial, reavivar a obediência e restabelecer a harmonia entre os seus vassalos e de reafirmar o protetorado alemão sobre os Estados eslavos limítrofes. Quando enfim estava em condições de regressar a Itália — era demasiado tarde. Alexandria sustentou vitoriosamente um longo cerco. Finalmente, em 1176, produziu-se o facto inédito, inacreditável: as milícias da Liga Lombarda afrontaram em Legnano o exército feudal de Frederico e infligiram-lhe uma terrível derrota. Foi o baptismo de glória da burguesia combatente.

A Morte de Frederico Barbarossa, por Gustave Doré. Wikipedia.

Legnano foi também, se se quiser, a primeira página de história italiana, pois que os vencedores pronunciaram bem alto as palavras «liberdade e honra da Itália». A independência das cidades lombardas foi reconhecida em 1183 pela paz de Constança, com algumas reservas, das quais, de resto, o imperador não pôde tirar vantagem.

Enfim, indiretamente, Legnano provocou a destruição do único conglomerado de feudos assás extenso para constituir o núcleo dum novo Estado alemão susceptível de se substituir ao domínio imperial que se esboroava. Tendo Henrique o Leão recusado ao primo o seu concurso na fatal expedição contra a Liga Lombarda, Frederico castigou-o com o confisco das suas possessões. Nada ganhou com isso para o domínio imperial, porque os costumes alemães obrigavam-no a redistribuir os despojos pelos outros vassalos que o tinham ajudado contra o rebelde. Todavia, conseguiu ainda juntar número suficiente de nobres e servos-cavaleiros para procurar outros caminhos para o Mediterrâneo: na Itália Central, no reino de Arles, no Oriente, onde iria morrer(*¹) no princípio duma cruzada (1190).

Sempre vencedor (exceto em Legnano), sempre chamado algures, o imperador da barba ruiva acumulara um vasto capital de prestígio mas pouco poder real. Em última análise, o êxito mais sólido deste lutador infatigável foi um ato de diplomacia, o casamento de seu filho (o futuro Henrique VI) com a herdeira do reino normando da Sicília. Mas este casamento, por sua vez, acabaria por tornar o império mais fraco e mais ameaçador ao mesmo tempo: mais fraco, porque fazia dele um corpo heterogéneo, imenso e invertebrado; mais ameaçador, porque privava o papa e os Lombardos do seu melhor aliado e parecia apertá-los num torno.

(*¹) Nota: Em 10 de junho de 1190, o imperador Frederico Barbarossa se afogou no rio Saleph, perto do Castelo de Silifke. Relatos do evento são conflitantes. Alguns historiadores acreditam que ele pode ter tido um ataque cardíaco que o complicou. Alguns dos homens de Frederico colocaram seu corpo em um barril cheio de vinagre a fim de preservar seu corpo. Fonte: Wikipedia

Imperador Frederick Barbarossa e Duque Henry, o leão, em Chiavenna (1176), arte vintage de Philipp Foltz. Wikimedia.


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