China aprova bile de urso como tratamento para Covid-19

É apenas crença: não há evidência científica alguma de que funcione. E quem sofre são os ursos.

Informações de Carolina Fioratti para Super Interessante; ANDA.

Essas fazendas são uma fonte real de violência e crueldade; os ursos são mantidos em péssimas condições por causa da extração de bílis do corpo. 
Países como China, Coréia do Norte, Coréia do Sul, Laos, Vietnã e Mianmar estão envolvidos na extração da bile dos ursos, uma vez que a bile do urso é amplamente usada na medicina tradicional chinesa. Foto Zoomania.

A Comissão Nacional de Saúde da China publicou uma lista dos tratamentos que seriam permitidos para o combate ao novo coronavírus no país. Muitos deles são clássicos da medicina tradicional chinesa, que apesar de usar majoritariamente plantas, ainda inclui animais silvestres em suas receitas. Entre eles, está a Tan Re Qing, injeção usada no tratamento de doenças e infecções respiratórias. Nela, há extrato de plantas, pó de chifre de cabras e pó de bile de ursos. 

A recomendação desagradou ambientalistas, que viram a indicação como contraditória. A China está no caminho de proibir integralmente o comércio de animais selvagens para consumo – proibiu temporariamente após o surto de Covid-19 –, mas não diz nada sobre o uso desses animais na medicina tradicional, que é seguida por parte da população há séculos. 

As espécies de ursos utilizadas são, principalmente, a dos pretos asiáticos e dos marrons. Na bile (fluido produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar), há níveis altos de “ursodiol” (o nome é esse mesmo), um ácido (ácido ursodeoxicólico) que ajuda na dissolução de cálculos biliares e também no tratamento de doenças hepáticas. Há, inclusive, drogas sintéticas com a mesma base já comercializadas no mercado. 

Mas não há nenhuma comprovação que a bile de urso auxilie no tratamento do novo coronavírus. Em entrevista à National Geographic, Clifford Steer, professor de medicina da Universidade de Minnesota, explicou que o ursodiol pode aliviar alguns sintomas da Covid-19 devido suas propriedades anti-inflamatórias e capacidade de acalmar a resposta imunológica. Mas vale lembrar que não foram feitos testes comprovando qualquer efetividade contra a doença e que, por enquanto, não há remédio que combata o SARS-CoV-2.

Segundo ativistas do “Animals Asia” os ursos são capturados ainda filhotes e vendidos às fazendas – locais assim denominados eufemisticamente, onde os animais são presos e torturados – por cerca de 2000 dólares e mantidos em gaiolas entre 10 a 20 anos. Alguns ursos sofrem a vida inteira, se não morrerem antes de infecção, tumores e automutilações. Esses animais sofrem também de intensa ansiedade, gemendo e se debatendo. A maioria quebra os próprios dentes ao batê-los contra as grades de suas gaiolas e seus pés ficam em estado lastimável, porque poucos dos animais algum dia chegaram a andar. Segundo a mesma entidade, de cada urso são extraídos cerca de 100 mililitros de bílis todos os meses nas fazendas. Nicola Field, veterinária do santuário, disse que os ursos chegaram magros, desnutridos, com seus abdomes infectados, hérnias e tumores, sinais típicos de uma covardia que exige a manutenção de feridas abertas para que a bile seja recolhida 3 vezes por dia.

Esse processo é legal na China (mesmo que imoral) e ilegal no Vietnã desde 2005.

Empresa farmacêutica da China afirma que procedimento cirúrgico para retirar a bile é indolor aos ursos. Ativistas protestam contra prática. (Foto: AFP)

Esse nefasto mercado não existe só na China e Vietnã. Investigadores da “WSPA” (“World Animal Protection Internacional”), encontraram bílis de urso em outras regiões asiáticas, incluindo o Japão, as Filipinas, a Coréia, Hong Kong, Taiwan e Singapura, apesar da China negar essa exportação. Também há evidências de ursos sendo mortos para extração da vesícula na América do Norte, na América do Sul, além da Ásia. No Equador, por exemplo, pessoas caçam ursos para vender a vesícula para negociantes coreanos. Cada vesícula é vendida por 150 dólares.

E esse não era o único medicamento com base animal na lista. Lá também estava a pílula Angong Niuhuang Wan, usada para tratar febre e outras doenças. Na receita tradicional, usa-se chifre de rinoceronte, mas o comércio desse mamífero é ilegal no mundo todo. Então, as leis chinesas permitem a utilização de chifre de búfalo, porém, não se pode ignorar o comércio ilegal, que ainda persiste. 

O comércio ilegal é, inclusive, o que mais assusta os ambientalistas. Apesar da venda de ursos ser permitida quando o animal é criado em cativeiro, a crendice local reza que o potencial medicinal de animais vindos direto da natureza é maior, o que pode incentivar a venda proibida. Além disso, a bile é coletada de forma invasiva e dolorosa, por meio de cateter, seringa ou tubo introduzida diretamente na vesícula biliar no urso. 

O uso de animais silvestres, seja na culinária ou na medicina tradicional, trazem riscos a saúde humana. Em muitas fazendas e mercados, os animais vivem amontoados em pequenas jaulas e às vezes se misturam com carcaças deixadas ali. O próprio coronavírus, ao que tudo indica, surgiu nesse tipo de ambiente. A negligência dos criadores é comum, então a bile dos ursos, por exemplo, pode ser retirada de animais doentes ou até mesmo vir contaminada com sangue, fezes, pus, urina e bactérias.

Segundo a “Animals Asia”, mais de 10000 ursos estão atualmente enjaulados para a extração da sua bílis na China, e outros 2000 no Vietnã. Mas há relatos de criações no Laos e em outros países asiáticos. De acordo com a “Bear Conservation Act Plan” através da “IUCN” existem menos de 20000 ursos negros na natureza na China.

Não há nenhuma comprovação que a bile de urso auxilie no tratamento do novo coronavírus.  (China Photos/Getty Images)


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