Derretimento das geleiras na Groenlândia atingiu ponto sem retorno

Um estudo afirma que a quantidade de neve que cai na ilha já não consegue repor o volume de gelo derretido, e isso vai continuar mesmo se a temperatura parar de aumentar.

Com informações da Super Interessante; G1.

Degelo na baía de Disko, na Groenlândia — Foto: Ian Joughin/Universidade de Washington

Mais de 80% da Groenlândia, um enorme território dinamarquês entre a América do Norte e a Europa, é coberto por gelo, fazendo da região o segundo maior reservatório de água congelada do mundo, atrás apenas da Antártica. A ilha é especialmente vulnerável ao aquecimento global e tem sido monitorada por cientistas nas últimas décadas – e os dados mais recentes não são nada animadores. Segundo um novo estudo, o derretimento das geleiras da Groenlândia chegou a um ponto irreversível, em que não é mais possível impedir que as geleiras parem de diminuir. 

Na prática, isso quer dizer que o derretimento do gelo na região é maior que o nível de neve que caí na superfície para repor o gelo derretido, ou seja, as geleiras estão efetivamente diminuindo de tamanho. Nem se a temperatura parar de aumentar magicamente do dia para noite as geleiras pararão de derreter – por isso o termo “irreversível”.

São esses os resultados de um estudo feito por pesquisadores americanos e holandeses e publicado na revista Nature. Os cientistas estudaram quase 40 anos de dados de mais de 200 geleiras na Groenlândia coletados mensalmente por satélites. Eles observaram especialmente duas variáveis: o derretimento dessas geleiras nos oceanos e o volume de neve que cai sobre a região, que funciona como reposição desse gelo derretido. “Descobrimos que o gelo que está sendo liberado no oceano ultrapassa em muito o volume de neve que se acumula na superfície”, explicou Michalea King, autora principal do estudo, em comunicado.

13 de junho de 2019 – Com as patas submersas na água de gelo derretido, cachorros puxam trenó no noroeste da Groenlândia — Foto: Steffen M. Olsen/Centre for Ocean and Ice at the Danish Meteoroligical Institute via AP

Nas décadas de 1980 e 1990, havia um equilíbrio entre a quantidade de gelo que derretia ou se partia das geleiras e a neve que caia na superfície, o que, segundo o estudo, mantinha a quantidade de gelo na Groenlândia estável, com poucas variações. Nessas décadas, cerca de 450 gigatoneladas (450 bilhões de toneladas) se perdiam nos oceanos todos os anos, mas praticamente a mesma quantidade era resposta pelas nevascas.

No começo dos anos 2000, porém, o derretimento cresceu rapidamente, chegando a 500 gigatoneladas anuais. Mas o nível de reposição via neve não aumentou tanto assim – o que significa que, na prática, as geleiras passaram a perder volume. Desde 1985, então, as geleiras da região retraíram três quilômetros, em média. Em julho, o gelo marinho polar atingiu sua menor extensão em 40 anos. O problema é ainda maior se pensarmos que o derretimento funciona como um efeito em cascata – quanto mais o gelo derrete, as geleiras tendem a se partir em pedaços menores, o que significa que uma maior superfície de gelo está em contato com a água do oceano, que, por sua vez, derrete esse gelo.

Segundo estimativas do estudo, hipoteticamente o manto de gelo da Groenlândia só conseguiria ganhar volume – ou seja, a neve seria maior do que o derretimento – em um único ano nos próximos cem. Todos os outros 99 anos devem seguir com a perda de gelo superando sua reposição, mesmo que a temperatura média do planeta pare de aumentar.

“A Groenlândia vai ser o canário na mina de carvão, e o canário já está praticamente morto neste momento”, afirmou um dos autores do estudo, o glaciologista Ian Howat, da Ohio State University, fazendo referência ao uso de pássaros em minas para indicar os níveis de oxigênio.

Não é de hoje que preocupações com a Groenlândia ganham destaque na comunidade científica. De fato, as geleiras da região são as principais responsáveis pelo aumento do nível do mar já observado – cerca de um milímetro por ano pode ser atribuído ao derretimento da ilha. Estimativas anteriores já mostraram que, se todo o gelo da Groenlândia derreter um dia, isso levaria a um aumento de quase sete metros no nível do mar – o suficiente para inundar várias cidades costeiras pelo mundo.

Os pesquisadores lembraram, porém, que apesar dos resultados negativos, isso não significa que a humanidade deva desistir de seu combate ao aquecimento global. Afinal, mesmo que a região pareça estar fadada a derreter, a velocidade disso não é fixa – e impedir que a temperatura média continue aumentando ajuda a atrasar e muito esse processo, dando tempo para a humanidade se preparar para as consequências e pensar em outras estratégias ambientais.

Em imagem de 2019, iceberg é visto flutuando em um fiorde próximo à cidade de Tasiilaq, na Groenlândia — Foto: Lucas Jackson/Reuters

Região estratégica

O degelo do Ártico trouxe mais água para a região, abrindo rotas para o tráfego marítimo, bem como aumentou o interesse na extração de combustíveis fósseis e outros recursos naturais.

Mas, além disso, a Groenlândia é considerada estrategicamente importante para os militares dos EUA e seu sistema de alerta de mísseis, já que a rota mais curta da Europa para a América do Norte passa pela ilha do Ártico.

No ano passado, o presidente Donald Trump ofereceu a compra da Groenlândia, um território dinamarquês autônomo. Mas a Dinamarca, aliada dos EUA, rejeitou a oferta. Então, no mês passado, os EUA reabriram um consulado na capital do território, Nuuk, e a Dinamarca teria dito na semana passada que estava nomeando um intermediário entre Nuuk e Copenhagen a cerca de 3.500 quilômetros de distância.

Os cientistas, no entanto, há muito se preocupam com o destino da Groenlândia, dada a quantidade de água presa no gelo.



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