Descoberta brasileira de artefato pode mudar a história da evolução humana

Cientistas encontraram vestígios de intervenção humana na Jordânia. A descoberta adianta em 500 mil anos a migração de nossos ancestrais para fora do continente – o que pode reescrever a história da arqueologia.

Fontes: Veja; O Globo; Super Interessante.

O biólogo, arqueólogo e antropólogo evolutivo Walter Neves, da USP, segura um dos artefatos que permitiram a descoberta da presença de ancestrais humanos fora da África há 2,4 milhões de anos Foto: Divulgação

Uma descoberta feita por uma missão ítalo-brasileira na Jordânia pode reescrever os livros de História. Ao examinar um sítio arqueológico no Vale do Rio Zarka, ao norte do país, os cientistas descobriram ferramentas de pedra lascada de 2,4 milhões de anos. Isso pode indicar que ancestrais do Homo sapiens saíram do continente africano milhares de anos antes do que se acreditava e o primeiro movimento migratório foi de espécies mais primitivas do que se pensava.

A partir da análise das ferramentas o time de pesquisadores concluiu que quem deixou aquele continente na verdade foi um antecessor do erectus, o Homo habilis. Ele teria feito a jornada ao menos 500 mil anos antes do que se deduzia. Na região da atual Geórgia, na Europa Oriental, evoluiu para o Homo erectus. “Nosso achado literalmente muda a história da humanidade”, disse o arqueólogo e antropólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP), um dos cientistas mais renomados de seu campo de atuação – por trás de duas descobertas que receberam espaço nobre em periódicos científicos, o fóssil de Luzia, o mais antigo das Américas, e o Taradinho, a pintura rupestre igualmente tida como a mais ancestral dessa porção do mundo (ambos achados em Minas Gerais e datados de mais de 10 mil anos).

A descoberta, que será publicada neste sábado na revista “Quarternary Science Reviews “, foi possível após a equipe encontrar seixos soterrados com vestígios de intervenção humana.


Segundo Fábio Parenti, pesquisador do departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante da missão, há diferenças entre o que as forças físicas da natureza podem criar e as modificações feitas intencionalmente pelos primatas. Pedras afiadas, recorrência de bordas em sedimentos lascados e constâncias na sequência de lascamento são três desses indícios humanos.

— Se vocês observarem a superfície de lascamento, vão reconhecer (esses critérios). Essa é a base do nosso trabalho nesse caso, onde não foi possível encontrar fósseis humanos — afirmou Parenti.

No Levante, na Jordânia, não será possível encontrar fósseis, crânios, que é o que procurávamos no início, pois o solo da região não é ideal para preservá-los”, analisou Neves. “Portanto, as ferramentas que achamos será a evidência maior da história de migração humana para além da África”.

Há 2,48 milhões de anos, a vida era duríssima para nossos ancestrais. O Homo habilis lascava pedras em busca de moldar utensílios com os quais raspava a carne de carniças de animais deixadas para trás por grandes felinos. Éramos então coletores e carniceiros, que tinham de realizar essa operação no tempo mais rápido possível, antes que outros predadores nos expulsassem da área.

No ano passado, tinham sido achadas ferramentas similares na China, datadas de 2,1 milhões de anos. O que já punha em xeque a ideia de que o Homo erectus deixara a África há 1,9 milhão de anos. Além disso, entre 1991 e 2005 haviam sido escavados misteriosos fósseis de hominídeos na jazida paleoantropológica de Dmanisi, na República da Geórgia. Tratava-se de cinco crânios com medidas entre 650 e 750 centímetros cúbicos de volume craniano, onde se abriga o cérebro. Menos que o do Homo erectus (850 centímetros cúbicos), mais que o habilis (650). Sem muita certeza, cientistas haviam determinado que os crânios pertenciam a erectus que haviam deixado a África em direção à Europa Oriental.

A descoberta na Jordânia soluciona o problema. O habilis, nosso ancestral direto e possivelmente o primeiro hominídeo a fabricar ferramentas de pedra, teria então caminhado pelo atual Oriente Médio há cerca de 2,5 milhões de anos. Os fósseis encontrados na Geórgia seriam de uma transição do habilis para o erectus – que depois ainda retornaria à África, pela indicação de fósseis encontrados até agora. Os mesmos habilis acabaram por se transformar em outra espécie, cuja origem até hoje era desconhecida: a Homo floresiensis, popularmente chamados de hobits (pela estatura de cerca de um metro, o que o deixou com uma caixa craniana de somente 350 centímetros cúbicos), da Ilha de Flores, na Indonésia.


“Além da notoriedade da descoberta em si, o estudo coloca o Brasil finalmente em um lugar nobilíssimo entre os países que fazem paleontologia, que buscam decifrar não só o que aconteceu há milhares anos, mas há milhões de anos”, concluiu Neves.

Além da USP, a pesquisa, financiada pela Fapesp e pela Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research, de Nova York (EUA), contou com a participação de cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), do Instituto Italiano di Paleontologia Umana, da Oregon State University (EUA) e da Goethe-University (Alemanha).

A questão é saber como essa proposta será recebida pelo resto da comunidade científica. A arqueologia é um campo disputado, e muitas vezes pesquisadores de uma determinada linha são reticentes em aceitar as hipóteses dos pesquisadores de outra linha. 

“Pode demorar décadas, mas se uma pesquisa é bem embasada, um dia ela é reconhecida”, diz Astolfo Araújo. “Os grupos de interesse e pressão mudam, as pessoas morrem ou se aposentam, e novas gerações acabam olhando para os dados de maneira diferente. Pessoalmente, não estou muito preocupado se vão aceitar nosso dados rapidamente. Agora que está publicado, não tem volta: as pessoas vão ter que pensar no assunto.”



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