Mulheres e crianças fugiam para as colinas enquanto pelo menos 38 homens eram mortos na Escócia, em 1692.
Fonte: Super Interessante; Daily Mail.
Muito sangue foi derramado na noite de 13 de fevereiro de 1692 nas Highlands, a região selvagem e montanhosa do norte da Escócia. Tudo graças ao que ficou conhecido como Massacre de Glencoe – região que vai ser estudada, pela primeira vez, por arqueólogos que estão escavando os antigos assentamentos onde o conflito aconteceu.
Glencoe é um capítulo especialmente sangrento da história do Reino Unido – e foi a grande inspiração para a maior das carnificinas de Game of Thrones: o Casamento Vermelho.
O massacre
Por séculos, as Highlands escocesas foram dominada por clãs familiares diferentes – um pouco parecidos com as “Casas” de Westeros. Os clãs se viram divididos por uma disputa que acontecia bem longe, no sul, na Inglaterra: o rei Jaime II era altamente impopular na Grã Bretanha, de maioria protestante, por ser católico.
Sua filha Maria Stuart e seu marido, Guilherme III, eram protestantes, e favoritos ao trono. O casal depôs Jaime durante a chamada Revolução Gloriosa, e se autocoroou – mas a briga não terminou por aí.
Tentando voltar ao poder, Jaime buscava apoio na Irlanda e na Escócia. Ao mesmo tempo, William pedia aos clãs nobres que deixassem claro seu apoio ao novo reinado – apoio que, por vezes, era provado quando essas famílias matavam apoiadores de Jaime.
Muito bem: o clã MacDonald das Highlands demorou para declarar sua fidelidade ao rei William, mesmo sobre pressão direta do poder real. O chefe do clã MacDonald, Alistair McIain, só conseguiu assinou seu juramento seis dias depois do prazo de William. O rei perdeu a paciência, e acionou outro clã, os Campbell, que já estava alinhado com o novo dono do poder.
Mas o assassinato foi requisitado em segredo. O próprio rei tranquilizou os MacDonald: William garantiu a Alistar que seu atraso não traria nenhum prejuízo ao clã.
Até aqui, a história é bastante parecida com a do Casamento Vermelho. Como você pode imaginar, os Campbell e os MacDonald se encontram em seguida, para um encontro aparentemente pacífico. Mas aqui os lados se invertem: se, em Game of Thrones, os anfitriões convidam suas vítimas e montam uma embocada, em Glencoe os assassinos eram… eles os hóspedes!
Os Campbell foram até o abrigo dos MacDonald, e pediram ao clã vizinho para abrigar 100 soldados por algumas noites nos seus assentamentos, que ficavam na região de Glencoe.
Alistair McIain achou que estava abrindo a porta para aliados – e como mandavam a tradição, recebeu os homens de portas abertas. A farsa durou duas semanas, nas quais os clãs conviveram amigavelmente. Até a noite de 13 de fevereiro.
Nesse dia os hóspedes mudaram de lado. Homens foram abatidos em suas camas, mulheres e crianças obrigadas a correr por suas vidas em direção às colinas, onde algumas acabaram morrendo de hipotermia.
No final da manhã seguinte, o saldo de mortos chegou a 38. O mandante da chacina foi o próprio Rei William, que não engoliu o atraso e ordenou que os “canalhas” deveriam ser extirpados pela raiz, em nome do bem e da segurança do reino. Todos até os 70 anos deveriam ser mortos.
A carnificina escocesa tornou-se infame por ter jogado a cultura da hospitalidade na lata do lixo. Desde a antiguidade, o viajante tinha o direito quase que sagrado de pedir abrigo, o anfitrião tinha o dever de cedê-lo, e as duas partes precisavam tratar-se com dignidade e respeito.
A pesquisa
Segundo o National Trust for Scotland (NTS), organização de conservação que lidera as escavações no território, por mais famosa que tenha ficado a história de Glencoe, pouca gente sabe dizer, de fato, onde ela teria acontecido. As regiões dos assentamentos vinculados à matança ficaram esquecidas durante todo o século 18.
Felizmente, graças à descoberta de um mapa da época, os pesquisadores da instituição conseguiram precisar onde ficavam sete dos vilarejos dos MacDonald. Para melhorar, três desses assentamentos já ficavam em terras protegidas pelo governo: os vilarejos de Inverigan, Achnacon e Achtriochtan.
Hoje, os esforços arqueológicos estão focados no assentamento de Achtriochtan, que abrigava entre 40 e 50 pessoas, além de gado e lavouras, na época do ataque. Derek Alexander, diretor de arqueologia da NTS, diz que sua equipe já escavou três casas, vários celeiros e um forno de secar grãos.
Eventualmente, a ideia é construir uma réplica em escala real e trazê-la a um museu, ou outro local acessível por turistas. “Isso vai permitir que os visitantes experimentem em primeira mão o ambiente de um dos assentamentos perdidos do Massacre”, disse Alexander.