Monge em chamas

A fotografia de Malcolm W. Browne chocou o mundo todo e até hoje é fortemente lembrada.

Por Aventuras na História e Mega Curioso.

O monge Thích Quảng Ðức em chamas, em protesto à repressão do governo de Ngo Dinh Diem em 1963 – Foto Malcolm W. Browne

A foto tem origem de um vídeo-reportagem, que foi divulgado no mundo inteiro, causando comoção geral. O monge Thích Quảng Ðức, originalmente batizado de Lâm Văn Tức, foi o monge Mahayana, que durante uma manifestação na cidade de Saigon (atual cidade de Ho Chi Minh), Vietnã do Sul, contra a repressão político religiosa do governo de Ngo Dinh Diem, ateou fogo em seu próprio corpo em um processo de autoimolação em 11 de Junho de 1963, e ficou pegando fogo, em meio a sua calma – parado, meditando, enquanto seu corpo arde nas chamas da guerra.

No Vietnã (que naquela época estava em guerra contra os EUA e parte da Ásia) e posteriormente no mundo todo, ele é considerado um Bodhisattva, uma vez que mesmo tendo sido queimado e posteriormente re-cremado, seu coração permaneceu intacto. Isso aumentou o impacto de sua morte mundialmente, tornando-o um verdadeiro mártir.

Coração do monge, relíquia / Crédito: Wikimedia Commons

Turbulência religiosa

Após a guerra da independência contra a França, o país foi dividido: o Norte ficou sob influência comunista e o Sul era apoiado pelos americanos. Os dois lados haviam concordado em realizar eleições para reunificar o país em 1961. Mas Diem não cumpriu o combinado e as tropas comunistas invadiram o Vietnã do Sul, dando início à guerra.

Segundo o Rare Historical Photos, após assumir a presidência, Diem declarou o Vietnam do Sul como seguidor da Igreja Católica e de Jesus Cristo. Considerando que, na época, entre 70 e 90% da população local era budista, não é de se estranhar que as iniciativas do novo líder causassem um tremendo descontentamento.

O ato de Duc, na realidade, aconteceu em reposta à realização de uma cerimônia pública — durante a qual foram expostas incontáveis cruzes cristãs — em maio de 1963, que culminou com o banimento da bandeira budista dois dias depois do evento. A proibição resultou na organização de uma série de protestos e, na celebração do Vesak, uma festividade que comemora o aniversário de Buda, monges saíram às ruas com sua bandeira nas mãos.

Na ocasião, os manifestantes se dirigiram até a sede da emissora de rádio do governo — onde foram recebidos por tropas de Diem que abriram fogo contra a multidão e acabaram matando nove pessoas.

Então, no dia 10 de junho, começaram a circular informações de que algo importante relacionado com a crise budista iria ocorrer no dia seguinte diante da embaixada do Camboja em Saigon. Poucos foram os repórteres que acreditaram nos rumores, mas Malcolm Browne estava entre eles e decidiu aparecer no local. David Halberstam, do The New York Times, também atendeu ao chamado — e posteriormente publicou um detalhado relato do que aconteceu.

Cerca de 350 monges aparecerem para protestar contra as políticas religiosas do governo de Diem e, entre eles, se encontrava Duc. Segundo as testemunhas, ele chegou até o local de carro acompanhado de outros dois monges, um que desembarcou com uma almofada nas mãos e a colocou no meio de um cruzamento, e outro que tirou um galão de gasolina do porta-malas do veículo.


Duc se sentou placidamente sobre a almofada e adotou a posição de lótus — usada para momentos de meditação — em meio à multidão. Em seguida, um dos monges despejou o conteúdo sobre a cabeça de Duc que, nesse momento apenas se pôs a manipular as contas de oração que tinha nas mãos e a recitar uma prece. Então, diante dos olhos de todos, ele riscou um palito de fósforos e começou a queimar.

De acordo com o relato de Halberstam, Duc não moveu um músculo sequer nem emitiu qualquer som. Ele permaneceu imóvel enquanto o fogo consumia seus robes de monge e seu corpo, e só saiu da posição de lótus depois de morrer e seu cadáver tombar para trás. Centenas de monges se prostraram diante de Duc e começaram a proferir orações, outros tantos podiam ser ouvidos chorando, mas a maioria dos presentes assistiu ao chocante ato em silêncio.

Segundo o então recém-nomeado embaixador dos EUA em Saigon, Henry Cabot Lodge, o presidente John F. Kennedy lhe confidenciou à época que estava “chocado” com as imagens nos jornais e que “precisamos fazer algo sobre esse regime”. Lodge falou sobre o assunto em uma entrevista para a AP em 1998.

A situação deu início à rebelião e posterior deposição e morte de Ngo Dinh Diem. A imagem do monge em chamas foi uma das primeiras a se tornar icônica na Guerra do Vietnã.

O fotógrafo Malcolm W. Browne, autor da foto icônica do monge em chamas, ex-correspondente de guerras pela agência Associated Press e pelo jornal “The New York Times”, faleceu aos 81 anos em 2012, em um hospital de New Hampshire.

O fotógrafo Malcolm W. Browne posa com a imagem de sua autoria após receber prêmio do World Press Photo de 1963 em Haia, Holanda (Foto: AP/Arquivo)

Onda de autoimolação

Em 2011, a China assistiu uma onda de autoimolação de monges tibetanos budistas em protesto as políticas de Pequim para o Tibete, onde dezenas de monges atearam fogo ao próprio corpo.

A maioria da população em Ganzi e da vizinha Aba é formada por pastores ou agricultores de etnia tibetana, e muitos se consideram membros da área tibetana mais ampla que engloba a Região Autônoma do Tibete e outras áreas de planalto no oeste da China.

Uma série de autoimolações, cinco delas fatais, “representa uma rejeição mais ampla à ocupação da China no Tibete”, disse Stephanie Brigden, diretora do Free Tibet, que fez campanha pela autogovernança na região.

O grupo que luta pela liberdade do Tibet divulgou o vídeo que mostra a imagem de uma monja budista, identificada como Palden Choetso, ateando fogo no próprio corpo no dia 3 de novembro de 2011 no sudoeste da China – AFP


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