Os Manchu ou Mandchu são uma minoria étnica da China que teve origem no que hoje é o nordeste da Manchúria. Eles também são chamados de “Manchus de franjas vermelhas”, uma referência aos ornamentos de seus tradicionais chapéus. São descendentes dos Jurchen, povo que estabeleceu a primeira Dinastia Jin.
Fonte – Livro Rumos do Mundo – O Mundo Chinês (Jacques Gernet)
O PERÍODO DE FORMAÇÃO
Os que em 1635 tomaram o nome de Mandchus (Manzhou) eram Jürchen, descendentes das tribos tunguzes que tinham fundado no século XII o império dos Jin (1115-1234) nos territórios do Nordeste e na China do Norte. Aliados dos Chineses desde 1589, tinham prestado auxílio aos exércitos dos Ming na sua luta contra a invasão japonesa da Coreia, entre 1592 e 1598. Unificadas por um chefe de nome Nurhaci, as tribos Jürchen da Mandchúria Oriental deviam o seu poderio à sua organização militar e à sua riqueza: tinham-se apoderado do comércio das pérolas, das peles e dos minérios no nordeste e colhiam grandes lucros com a cultura do ginseng, cuja raiz era apreciada pelas suas propriedades medicinais e vendida a preços muito elevados.
A ascensão de Nurhaci teve como origem a sedentarização das tribos tunguzes e mongóis da região situada a nordeste de Shenyang, no Liaoning, onde os impérios da estepe dos séculos XI-XIV, Liao, Jin e Yuan, tinham instalado prefeituras à maneira chinesa, substituídas na época dos Ming por guarnições militares (wei). Rodeado de conselheiros chineses – a população chinesa era relativamente importante nesta parte das províncias do Nordeste -, Nurhaci tinha conseguido criar nesta região uma organização feudal e guerreira.
Era um conjunto de domínios governados por chefes da aristocracia jürchen e das unidades militares formadas segundo o modelo das guarnições chinesas. Estas unidades, que tinham o nome de Estandartes (qi) e que se distinguiam pela cor das suas bandeiras, foram criadas em 1601. Multiplicar-se-ão no decurso das conquistas mandchus graças à união com unidades mongóis e à incorporação de contingentes chineses, desdobrando-se em Estandartes interiores, formados por Mandchus e pelos seus dependentes, e em Estandartes exteriores, reservados às tropas auxiliares. Até aos finais do século XVIII serão uma das organizações militares mais eficazes que a Ásia Oriental conheceu.
Obtida a aliança dos Mongóis Orientais contra os do Chahar, província situada a oeste do Jehol e a norte do Shanxi, os Jürchen adotam uma atitude hostil relativamente à China a partir de 1609. Em 1616, Nurhaci proclama-se khan dos Jürchen e funda a dinastia dos Segundos Jin (Hou Jin). Apodera-se de Fush un, a leste de Shenyang, em 1618, e a partir deste ano começa a dirigir ataques contra a China do Norte.
Em 1621, toma Shenyang e Liaoyang e, quatro anos mais tarde, instala a sua capital em Shenyang, batizada com o nome de Mudken. Depois da sua morte, em 1626, sucede-lhe Abahai (1627-1 643), que desenvolve uma grande atividade militar e política e prossegue a obra do seu antecessor: na falta de gênio e de originalidade, a perseverança iria ser uma das principais qualidades dos Mandchus. Abahai empreende a longa conquista do Chahar, impõe o seu domínio à Coreia em 1638 e acaba por ocupar toda a Mandchúria até ao estreito de Shanhaiguan em 1642, bem como toda a região do Amur (província de Hei ongjiang) entre 1636 e 1644.
Toda a política de Abahai visa a imitação das instituições chinesas. Os seus conselheiros e os seus generais são chineses e o armamento moderno que possui é-lhe fornecido da China por trânsfugas. Depois de 1635, Abahai substitui o nome de Jürchen pelo de Mandchus e, no ano seguinte, troca o título dinástico de Jin pelo de Da qing (Grandes Qing).
Assim, nas vésperas da tomada de Pequim em 1644, os Mandchus tinham adquirido a força militar, a coesão política, a organização administrativa e as bases estratégicas que iriam permitir-lhes apoderar-se do poder na China e submeter este imenso país ao seu domínio. Para isso bastou-lhes menos de meio século.
A INSTALAÇÃO DOS INVASORES NA CHINA
Tendo conquistado essa velha terra de colonização chinesa que era a Mandchúria, os Mandchus iriam encontrar aí auxiliares preciosos para a conquista e administração da China. Uma parte dos seus altos funcionários, sobretudo no fim do reinado de Abahai (1627-1644) e durante o reinado de Shunzhi (1644-1661), são homens originários da bacia do Liaohe e muitas vezes nativos de Shenyang (Mukden) e da sua região. Depois de 1618, é o caso de Fan Wencheng (1597-1666), um dos quatro grandes dignitários da época de Nurhaci.
Fan Wencheng pertencia a uma família de funcionários dos Ming e um dos seus antepassados tinha dirigido o Ministério dos Exércitos em Pequim. Quando da tomada de Fushun, em 1618, Fan Wencheng passou para o serviço de Nurhaci e em 1636 foi nomeado Grande Secretário na capital, que então era Mukden. Os demais generais que ajudaram os Mandchus a conquistar a China do norte e do sul – Kong Youde (?-1652), Wu Sangui (1604-1676), Gen Zhongming (?-1649) e Sun Yanling – eram originários do Liaoning e, alguns casos, tinham sido recrutados pelos Mandchus na época em que se apoderaram desta região.
Estes colaboradores da primeira hora, representantes de uma tradição administrativa propriamente chinesa, letrados que conheciam simultaneamente o chinês e o mandchu, foram incorporados nos Estandartes exteriores e, por vezes, ligados à família dos imperadores Qing. Os Mandchus deram a estes últimos o nome de «gentes da casa», booi (em chinês, baoyi), e conservaram-nos ao seu serviço de pais para filhos. Estes booi desempenharam no século XVII e ainda no princípio do XVIII um papel de informadores junto dos Mandchus e de intermediários com as elites chinesas. Encarregados da administração interna do Palácio e do contrôle das grandes oficinas que abasteciam a Corte de produtos de luxo (porcelanas de Jingdezhen, sedas de Nanquim, Suzhou, Hangzhou, etc.), confidentes e conselheiros da família imperial, iriam ocupar uma posição análoga à dos eunucos, embora sem adquirirem o poder exorbitante que estes últimos tinham conquistado no fim da época dos Ming.
Os Mandchus instalaram-se na China como uma raça de senhores destinada a reinar sobre uma população de escravos, tal como o tinham feito os Mongóis. A partir de 1668 proíbem aos Han o acesso a esse velho território de colonização chinesa que era a Mandchúria, com o fim de reservarem para si uma região pura, isenta de qualquer influência estrangeira, e para conservarem o monopólio da exploração do ginseng. Proíbem os casamentos mistos. O princípio da segregação é aplicado em Pequim como nas outras grandes cidades : a capital é dividida numa cidade mandchu a norte, de onde são expulsos todos os antigos habitantes, e numa cidade chinesa a sul.
Em 1645, todos os Chineses atingidos pela varíola – de fato, todos os que tinham doenças de pele – são afastados de Pequim. Correm boatos alarmantes pela cidade, onde se acredita que os ocupantes vão exterminar toda a população chinesa. É que, com efeito, a conquista foi conduzida com uma extrema selvajaria. Um habitante de Yangzhou, que escapou por milagre ao massacre geral da população, deixou-nos um relato dos horrores de que foi testemunha na altura em que, em 1645, as tropas mandchus penetraram nesta rica cidade mercantil do Baixo-Yangzi. O manuscrito deste relato, o Diário dos dez dias de Yangshou (Yangzhou shiriji), conservar-se-ia no Japão.
A mudança de vestuário e de penteado – o uso da trança (bianzi) -, que é imposta, sob pena de morte, a partir de 1645, ao conjunto da população chinesa, provoca motins, alguns dos quais são reprimidos com massacres, como aconteceu em Jiangyin e em Jiaxing, no Jiangsu. Recordemos que os Jürchen, antepassados dos Mandchus, tinham igualmente imposto o uso da trança aos seus súbditos no império dos Jin e que a trança era um penteado tradicional entre os povos da estepe: os Mongóis faziam diversas tranças e, mais remotamente, no século V, os Tabgatch eram cognominados pelos Chineses de «cabeças em forma de corda» (suotou).
Trança (bianzi) Mandchu – Facts And Details Trança (bianzi) Mandchu – Facts And Details
Desde o princípio da sua conquista que os Mandchus expropriaram os camponeses e constituíram domínios de onde os Chineses foram expulsos. Estes enclaves mandchus (quan), criados entre 1645 e 1647, são numerosos em toda a China do Norte e sobretudo nos arredores de Pequim e na Mongólia Oriental.
Os Mandchus aplicam à mão-de-obra que cultiva os seus domínios (prisioneiros de guerra e camponeses despojados dos seus bens que, para conservarem um quinhão de terra, aceitam trabalhar nas tapadas) um estatuto de verdadeiros escravos. Podendo ser vendidos e comprados como animais, sujeitos a numerosas corveias, tratados durissimamente e condenados a viverem no local, estes agricultores procuram escapar por todos os meios, apesar das penas de chicotadas e de morte em que incorrem e fazem incorrer os seus parentes e vizinhos, enquanto os apaniguados chineses dos Mandchus, incorporados nos Estandartes, têm junto deles o papel de vigias dos forçados ou de inspectores da policia. Os efeitos deste sistema, que cria uma atmosfera de terror e que favorece a corrupção, depressa se revelaram desastrosos.
Compreendendo que uma tributação moderada e uniforme é mais rendível que â exploração direta e que os homens livres trabalham melhor do que os que estão sujeitos à escravatura, os Mandchus renunciaram pouco a pouco aos seus domínios, enquanto os camponeses retomavam a posse das suas terras.
A partir de 1685 foi proibido aos Estandartes o confisco de quaisquer novas terras e, nas proximidades de 1700, a questão dos limites dos domínios e dos escravos fugitivos foi pratica mente sanada. Foi sem dúvida em vão que tantos sofrimentos foram impos tos ao campesinado chinês: o erro dos Mandchus explica-se pela sua vontade de aplicar à China práticas e conceitos que se justificavam somente no contexto das sociedades da estepe. Mas se foi progressiva, esta mudança de política foi, em compensação, bastante radical, pois foi aos Qing que a China ficou a dever o fato de ter conhecido no século XVIII a tributação agrária mais suave de toda a sua história. Este regime contribuiu indubitavelmente para a adesão da maior parte da população aos seus novos dirigentes.
ATRASOS E DIFICULDADES A RESISTÊNCIA DOS MING DO SUL
Os invasores tinham-se apoderado da China do Norte quase sem combate, mas iriam esbarrar no Sul com uma longa resistência, que foi constantemente enfraquecida por uma falta geral de coesão e por lutas entre patriotas partidários da resistência e pacifistas adeptos de uma colaboração com o inimigo. Na verdade, os Ming, que tinham perdido a adesão do povo, estavam de qualquer modo votados ao desaparecimento. Mas a recordação deste período de uma quinzena de anos em que os descendentes dos imperadores Ming, perseguidos de província em província pelo avanço dos exércitos mandchus, tentaram manter uma aparência de poder legítimo, iria ser exaltada pelos grandes letrados patriotas do início da dinastia dos Qing.
Depois da queda de Pequim e da instalação do novo imperador em Nanquim, foram realizadas conversações de paz com os Mandchus, que eram ainda considerados por uma parte das classes dirigentes como aliados seus contra os movimentos de rebelião. Mas estas conversações foram abandonadas graças aos esforços de um ministro patriota, Shi Kefa (?-1645). Depois de seis assaltos sucessivos contra Yangzhou, defendida por Shl Kefa, a cidade foi tomada, e, um mês depois, caíu Nanquim. O imperador foi entregue aos Mandchus por um general traidor. Começa então um período de deambulações que levará os descendentes dos Ming do Zhe jiang e do Fujian ao Guangdong e ao Guangxi e, por fim, à província mais remota do Império, a do Yunnan.
A medida que as tropas mandchus vão avançando sucedem-se imperadores efémeros. O Zhejiang e o Fujian, onde tinham sido proclamados simultaneamente dois imperadores, foram ocupados em 1646, ao mesmo tempo que o Sichuan, onde os Mandchus se desembaraçaram de Zhang Xianzhong, o antigo comandante dos insurrectos do fim da época dos Ming. Em 1647 dá-se a tomada de Cantão pelos invasores e um novo imperador é proclamado em Guilin, no Nordeste do Guangxi: é o príncipe Zhu Youlang, que adota o nome de era de Yongli (1647-1660), único imperador cujo reinado teve alguma importância no decurso do período dos Ming do Sul (Nan Ming). Depois de ter retomado Cantão e de ter reconquistado uma grande parte da China do Sul em 1648, Yongli viu-se obrigado a refugiar-se no Yunnan. Enfraquecidos por dissensões entre generais em 1656, os Ming do Sul não puderam resistir aos ataques dos exércitos comandados por Wu Sangui, em 1658-1659.
Yongli foi obrigado a procurar refúgio em Bhamo, mais de 500 km a oeste de Kunming, junto ao Irrawadi, no Nordeste da Birmânia. É aí que será feito prisioneiro em 1661, um ano antes de morrer estrangulado em Kunming. A Corte de Yongli tinha acolhido em Guilin e no Yunnan missionários jesuítas (entre outros, o padre André-Xavier Koffler) que garantem ter convertido algumas mulheres da comitiva do imperador e em particular a própria mãe de Yongli. Seguindo os seus conselhos, esta enviou uma embaixada ao Vaticano, que estava de regresso a Kunming em 1659.
Príncipe Zhu Youlang ( Yongli ) – Chinese History Digest General Ming Qing Wu Sangui – Chinese History Digest
PODEROSO RESSURGIMENTO DE PIRATARIA
Esta resistência contra os invasores, que teve como princípios uma afeição à pessoa dos últimos representantes da familia imperial dos Ming e uma renovação do nacionalismo Han, encontrou no ressurgimento da pirataria um concurso precioso. De resto, os Ming do Sul mantiveram ligações mais ou menos secretas com os piratas das costas do Sudeste e do Guangdong.
Um mestiço de chinês e de japonesa nascido em Hirado, ilha situada nas proximidades do actual porto de Sasebo, em Kytishu, domina efetivamente as costas do Fujian a partir de cerca de 1650. Este comandante de piratas, Zheng Chenggong (1624-1662), iria conservar-se até aos nossos dias como uma espécie de herói nacional da Formosa. As suas atividades, tais como as do Wokou do século XVI, são uma mistura de pirataria e de comércio, mas têm ao mesmo tempo evidentes implicações políticas. Instalado próximo de Xiamen (Amoy), pilha as ricas cidades da província, levando os seus ataques até ao Sul do Zhejiang e ao Nordeste do Guangdong, ao mesmo tempo que faz comércio com o Japão, com as Ryükyü, com o Vietnam, com o Sião e com as Filipinas, que está em contato com os Europeus que frequentam os mares da Ásia Oriental e que procura aumentar a sua influência política tomando o partido dos Ming do Sul contra os Mandchus.
Estas boas relações com os sobreviventes da dinastia destronada valem-lhe direito de usar o nome da família imperial, o de Zhu, origem do cognome de Guoxingye («Excelência em nome da família do reinm – Coxinga ). Em 1658-1659 reeditou as proezas dos piratas japoneses, os Wokou, dos anos 1553-1555, avançando até Nanquim, em plena zona ocupada, mas teve de bater em retirada e contentar-se, a partir desta época, com ações de flagelação das costas. Os Qing decretaram em 1662 a evacuação de todas as províncias costeiras desde o Shandong até ao Guangdong. É uma tragédia para as populações, que vêem as suas cidades e aldeias serem sistematicamente arrasadas e que são obrigadas ao êxodo. Os efeitos destas medidas bárbaras no comércio e nas relações externas da China foram alguma vez avaliadas? Certamente que interromperam ou que diminuíram muito seriamente os tráfegos comerciais da China nos finais do século XVIII e que favoreceram, assim, a implantação dos Europeus, Portugueses, Espanhóis e Holandeses, nos mares da Asia Oriental.
Obrigado a procurar um refúgio fora da China, Coxinga, durante o ano de 1661, ataca a grande ilha da Formosa, onde os Holandeses se tinham instalado desde 1624. Expulsa-os com a sua frota de 900 navios e de 25.000 homens. O seu filho, Zheng Jing, que lhe sucede depois da sua morte, em 1662, apoia o governador-geral do Fujian, Geng Jingzhong, na sua rebelião contra os Mandchus. Conservar-se-á na Formosa até que os Qing organizam em 1683 uma grande expedição que acabará com este reino independente e que anexará pela primeira vez à China esta ilha, mais extensa do que a Bélgica, que era ainda povoada por numerosas tribos malaio-polinésicas.
Assim como os piratas do Fujian na época de Coxinga mantinham relações com os Ming do Sul, também as atividades dos Tanka nas costas do Guangdong parecem estar ligadas à resistência lealista. Os Tanka são uma população aborígene, de pescadores que reside permanentemente nos seus barcos (daí o nome de chuanmin, «população dos barcos», que por vezes se lhes dá). Eram afamados pescadores de pérolas. As suas atividades de pirataria causaram inúmeras dificuldades ao primeiro governador militar nomeado pelos Qing pani o Guangdong, Shang Kexi, e, deste modo, ajudaram indiretamente a resistência dos Ming do Sul e as tentativas de secessão.
A REBELIÃO DOS «TRÊS FEUDATÁRIOS», 1674-1681
Sabe-se que, na sua conquista da China, os invasores tinham recorrido aos serviços dos antigos quadros políticos, administrativos e militares do império dos Ming, a que se dava o nome de jiuchen («antigos servidores ou oficiais») ou erchen («os que estiveram sucessivamente ao serviço das duas dinastias»). Mas sobre estes funcionários ligados ao novo regime pesavam suspeitas legítimas. Em 1656 tinham-se verificado prisões e uma grande parte do antigo pessoal tinha sido progressivamente substituído, a partir desta data, por novos funcionários recrutados por meio de concursos, os Hanchen (oficiais Han). No entanto, esta depuração não pôde ser alargada às províncias do Sul, mais longínquas e pior controladas, onde os Qing tinham sido obrigados a dar uma bem larga autonomia aos comandantes dos exércitos originários do Nordeste que tinham participado na conquista e que tinham vencido a resistência dos Ming do Sul.
Dando largos poderes aos generais que os tinham ajudado na sua conquista da China do Sul, os Mandchus começavam a trilhar um caminho perigoso que levaria à formação de governos praticamente independentes de Pequim. Corriam o risco de perder o contrôle do seu Império. Elevados à dignidade de «príncipes», os governadores militares das províncias costeiras da China do Sudoeste iriam conservar e transmitir aos seus descendentes as forças armadas que tinham sido colocadas sob as suas ordens quando das campanhas contra os Ming do Sul.
Tirariam partido das tendências autonomistas das regiões que governavam e encontrariam no próprio local os meios indispensáveis para a sua independência. Assim, o mais poderoso deles, Wu Sangui (1612-1678), depois de ter derrotado os exércitos de Li Zicheng juntamente com as forças mandchus, em 1644 e 1645, e de ter realizado, entre 1657 e 1661, campanhas de extermínio dos lealistas Ming refugiados no Yunnan, não desmobilizou as suas forças. Governando o Yunnan e o Guizhou, controlava igualmente, de fato, as províncias vizinhas do Hunan, do Shenxi e do Gansu, explorando os seus recursos, não só com os subsídios que o governo de Pequim continuava a enviar-lhe (em 1667 recebeu 30 milhões de /iang de prata para a manutenção dos seus exércitos), mas também através dos monopólios que tinham instituído sobre a produção dos poços de sal do Sichuan, das minas de cobre e de ouro, e sobre o comércio do ginseng e do ruibarbo, sem contar com os lucros obtidos com o comércio com o Tibete (compra de cavalos e venda de chá).
Quando a Corte decide suprimir os governos autónomos dos «príncipes», aproveitando-se do fato de o poder ter vagado em Cantão, onde o governador local Shang Kexi (1604?-1676) tinha resignado das suas funções, Wu Sangui entra em rebelião ao mesmo tempo que Geng Jingzhong (?-1682), governador do Fujian, e funda o efémero império dos Zhou (1673-1681). Foram secundados por Sun Yanling (?-1677), comandante militar em Guilin, no Guangxi.
Em 1674, Wu Sangui conquista para a sua causa Wang Fuchen (?-1681), governador do Shenxi e do Gansu a partir de 1670, e, depois, em 1676, Shang Zhixin (1636?-1680), filho de Shang Kexi, que governava o Guangdong e o Guangxi. Neste ano Wu Sangui está à beira de reconquistar toda a China e de acabar com o poder dos Mandchus. Mas os ventos mudam: a partir de 1676, Wang Fuchen e Geng Jingzhong submetem-se aos Qing, e Shang Zhixin faz o mesmo em 1677. Wu Sangui morre no ano seguinte e o seu neto, Wu Shifan, sucede-lhe no trono dos Zhou. Em 1679 os exércitos dos Qing reconquistam o Jiangxi, em 1680 o Sichuan e em 1681 o Guizhou. Cercado na sua capital, em Kun ming, Wu Shifan suicida-se. Assim acaba a «rebelião dos Três Feudatários», sanfan zhi Juan, (Wu Sangui, Geng Jingzhong e Shang Zhixin), a crise mais grave que a nova dinastia mandchu conheceu.
A liquidação das tendências autonomistas a sul do Yangzi marca o reforço geral do contrôle do poder central no conjunto do Império e o fim do período de adaptação e de consolidação do novo regime. Podemos assim considerar que a longa época de estabilidade interna começa em 1681, dois anos antes da conquista definitiva da Formosa.