Manifestações de caráter político-partidário de militares influiu na criação de normas contra a militância virtual. Os textos apoiam o presidente Jair Bolsonaro, suas políticas e seus ministros e políticos vinculados ao bolsonarismo .
Levantamento feito pelo Estado no Twitter de militares da ativa das Forças Armadas encontrou 220 publicações políticas em 20 contas de oito generais, oito coronéis, um 2.º tenente e um subtenente do Exército e de dois brigadeiros da Força Aérea. Há entre as mensagens manifestações, em tese, de caráter partidário durante a campanha eleitoral de 2018. Muitas foram publicadas em horário de expediente normal nos quartéis.
Os textos apoiam o presidente Jair Bolsonaro, suas políticas e seus ministros e políticos vinculados ao bolsonarismo. Também criticam o Centrão, partidos de oposição, o Judiciário, o Congresso e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Há até o caso em que um general de brigada é corrigido publicamente por um subordinado.
Foi no dia 20 de junho. O comandante da 3.ª Brigada de Cavalaria Mecanizada (sede em Bagé, no Rio Grande do Sul), general Carlos Augusto Ramirez, criticou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em razão do que pensava ser uma manifestação do político no Twitter. “Mais tempo perdido e nosso dinheiro pagando!!!” No dia seguinte, um subtenente o advertiu de que o perfil que o general pensava ser do senador era falso. Ramirez agradeceu com uma saudação militar: “Aço”.
Apenas duas das 220 manifestações mostravam desacordo com o governo: uma com crítica à “defasagem salarial das Forças Armadas” e outra que questionava o fato de o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) dizer que seu ex-assessor Fabrício Queiroz era quem devia explicações sobre movimentações bancárias suspeitas.
“Diz o axioma nas Forças Armadas que o comandante é o responsável por tudo o que acontece ou deixa de acontecer. Ventos novos exigem posturas novas”, escreveu, em 18 de dezembro, o general de divisão Carlos Penteado, comandante da 5.ª Divisão de Exército (Curitiba).
“É o Oliveiros Ferreira revivido. É o ‘partido fardado’”, afirmou o cientista político e professor titular aposentado da Unicamp Eliézer Rizzo de Oliveira, lembrando a obra de Ferreira, jornalista e cientista social que foi diretor do Estado. “É uma organização difusa, com mentalidade, com permanência, com interesse e com visão verde-oliva.”
Portaria
Essa onda de manifestações, em tese, de caráter político-partidário e eleitoral de militares da ativa influiu na decisão do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, de criar normas contra a militância virtual de subordinados em seus perfis, principalmente do Twitter.
Em 12 de julho, o Estado-Maior da Força publicou a portaria 196. “Com a entrada em vigor dessa portaria, ficam objetivamente estabelecidos parâmetros para a adequação de perfis e conteúdos das mídias sociais aos demais preceitos regulamentares da Força”, informou o Exército.
Pujol, que ao contrário do antecessor (Eduardo Villas Bôas) decidiu não ter perfil no Twitter, está preocupado em evitar a contaminação política da Força em razão da presença de militares no governo.
Ao mesmo tempo, o Exército reconhece que “um dos fenômenos que têm caracterizado o meio informacional nos anos recentes é o emprego crescente e generalizado das mídias sociais por pessoas e organizações”. E conclui: “Como parte da sociedade, tal comportamento também tem sido observado nos integrantes do Exército.”
Sobre essa realidade, a portaria diz que a criação de perfis pessoais nas redes “é de livre arbítrio, sendo o criador do perfil responsável por todas as suas interações digitais, observando-se fielmente o prescrito no Estatuto dos Militares e no Regulamento Disciplinar do Exército”. Só generais do Alto Comando poderão ter perfis associados aos cargos que ocupam e só grandes unidades poderão estar no Twitter.
O regulamento disciplinar das Forças Armadas proíbe manifestações – sem autorização – de natureza político-partidárias assim como tomar parte ou provocar, em qualquer meio de comunicação, discussões políticas. O Código Penal Militar estabelece ser crime a publicação de crítica indevida sobre resolução do governo. “Mas isso se aplica somente às críticas ao governo e ao Comando”, disse o juiz auditor militar, Ronaldo João Roth.
Espelho
Quinze dos 20 perfis com mensagens políticas foram criados após o general Villas Bôas se manifestar em 3 de março de 2018 contra a impunidade, um dia antes do julgamento no STF de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado pela Lava Jato. O fenômeno ganhou corpo com o início da campanha eleitoral, em agosto de 2018.
Há o caso do brigadeiro Marcelo Fonseca, do Estado-Maior da Aeronáutica, que tuitou cinco vezes entre 2 e 9 de agosto mensagens de apoio ao candidato Bolsonaro, como “eu voto em Bolsonaro”.
Em 12 de outubro, o tenente-coronel Rodrigo Otávio Fagundes, da Academia Militar das Agulhas Negras e um dos mais ativos no Twitter, republicou texto de Bolsonaro contra o PT. Já o tenente-coronel Leonardo Franklin, comandante do 1.º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Itaqui, RS), publicou: “Bolsonaro17”.
No dia do primeiro turno, o coronel Ricardo Omaki tuitou: “Compareça às urnas. Vote consciente. Por nós. Por nossos filhos. Brasil acima de tudo! Deus acima de Todos!”, repetindo slogan de Bolsonaro. No dia do segundo turno, o general Penteado afirmou ao retuitar texto em defesa de Bolsonaro: “O Brasil não suposta mais os cleptocratas disfarçados de políticos, que destruíram nossa democracia”.
As publicações políticas cresceram após a eleição e se mantiveram até julho com críticas a políticos do PT, PSOL, PSDB, MDB, DEM e SD e a ex-presidentes, como Fernando Henrique Cardoso. Muitos republicaram tuítes de políticos bolsonaristas – os mais citados são os deputados Bia Kicis (PSL-DF), Joice Hasselmann (PSL-SP), Janaina Paschoal (PSL-SP) e Vitor Hugo (PSL-GO).
O coronel Alberto Horita, do 20.º Batalhão de Logística Paraquedista, publicou em 30 de junho, em resposta à publicação da deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), um quadro com ofensas a militantes do PT e do PSOL. Em 28 de dezembro, o general Penteado afirmou que o “desmanche do Estado brasileiro devia iniciar pelo Judiciário”.
Recordista
O Estado excluiu da pesquisa casos de defesa genérica de ideias, de amizade com políticos e o debate de temas militares. O tenente-brigadeiro Carlos Baptista Junior, chefe de Operações Conjuntas do Ministério da Defesa, é o recordista de publicações políticas: foram 42 de 31 de janeiro a 13 de julho.
Em 14 de maio, escreveu: “Onde estavam estes jovens e professores nos sucessivos contingenciamentos dos governos anteriores? São outros agora seus objetivos!” Além de retuitar deputados do PSL, ele publica expoentes bolsonaristas, como o assessor de relações internacionais da Presidência, Filipe Martins.
A Força Aérea informou que “já há algum tempo tem orientado o seu efetivo quanto às boas práticas da liberdade de expressão e quanto ao posicionamento público por parte de militares da instituição nas redes” e diz ter “estabelecido parâmetros objetivos para a adequação de perfis e conteúdos das mídias sociais aos demais preceitos regulamentares”.
O Estado pediu autorização para entrevistar os 20 militares citados, mas não as obteve. A reportagem não achou no Twitter nenhuma manifestação política de membros da Marinha. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo e da Exame.