Em exposição crônica aos agrotóxicos, brasileiro corre mais risco de morte e desenvolvimento de doenças. O mais alarmante é que temos venenos até na água ‘potável’.
Fonte: Jornal da USP, por Ivanir Ferreira; G1.
Um ousado trabalho de geografia que mapeou o nível de envenenamento dos alimentos produzidos no Brasil foi lançado em maio, em Berlim, na Alemanha, país que contraditoriamente sedia as maiores empresas agroquímicas do mundo. Quem estava presente no lançamento do ‘Atlas geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia’ ficou perplexo com a informação sobre o elevado índice de resíduos agrotóxicos permitidos em alimentos, na água potável, e que, potencialmente, contamina o solo, provoca doenças e mata pessoas. A obra, que já foi publicada no Brasil, é de autoria da geógrafa Larissa Mies Bombardi, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
O Brasil é campeão mundial no uso de pesticidas na agricultura, alternando a posição dependendo da ocasião apenas com os Estados Unidos. O feijão, a base da alimentação brasileira, tem um nível permitido de resíduo de malationa (inseticida) que é 400 vezes maior do que aquele permitido pela União Europeia; na água potável brasileira permite-se 5 mil vezes mais resíduo de glifosato (herbicida); na soja, 200 vezes mais resíduos de glifosato, de acordo com o estudo, que é rico em imagens, gráficos e infográficos. “E como se não bastasse o Brasil liderar este perverso ranking, tramita no Congresso nacional leis que flexibilizam as atuais regras para registro, produção, comercialização e utilização de agrotóxicos”, relata Larissa.
Intoxicação e suicídios
Segundo a geógrafa, as perdas não se limitam à contaminação de alimentos e dos cursos d’água. O atlas traz informações de que, depois de extensa exposição aos agrotóxicos, ocorrem também casos de mortes e suicídios associados ao contato ou à ingestão dessas substâncias.
Entre 2007 e 2014, o Ministério da Saúde teve cerca de 25 mil ocorrências de intoxicações por agrotóxicos. O atlas mapeia as regiões mais afetadas: dos Estados brasileiros, durante o período da pesquisa, o Paraná ficou em primeiro lugar, com mais de 3.700 casos de intoxicação. São Paulo e Minas Gerais ficaram na segunda colocação, com 2 mil. Das 3.723 intoxicações registradas no Paraná, 1.631 casos eram de tentativas de suicídio, ou seja, 40% do total. Em São Paulo e Minas gerais o porcentual foi o mesmo. No Ceará, houve 1.086 casos notificados, dos quais 861 correspondiam a tentativas de suicídio, cerca de 79,2%. Os mapas de faixa etária mostram que 20% da população afetada era composta de crianças e jovens com idade até 19 anos. Segundo Larissa, no Brasil, há relação direta entre o uso de agrotóxicos e o agronegócio. Em 2015, soja, milho e cana de açúcar consumiram 72% dos pesticidas comercializados no País.
O atlas Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia, em português, foi lançado no Brasil em 2017 e traz um conjunto de mais de 150 imagens entre mapas, gráficos e infográficos que abordam a realidade do uso de agrotóxicos no Brasil e os impactos diretos deste uso no País. A pesquisa que deu origem à publicação teve o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Em Berlim, o lançamento aconteceu na sede do ENSSER (European Network of Scientists for Social and Environmental Responsability), rede europeia sem fins lucrativos que reúne cientistas ativistas responsáveis ambiental e socialmente, em Glasgow, Escócia. O suporte financeiro para o lançamento do atlas na Europa foi da FFLCH e da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP.
Até na água
Em abril desse ano o G1 apurou presença de agrotóxicos na água consumida em 50 municípios do interior do Rio, área de cobertura da Inter TV, com base na pesquisa “Por Trás do Alimento”, divulgada em 15 de abril pelas organizações Agência Pública, Repórter Brasil e Public Eye, e o resultado foi estarrecedor.
as informações sobre agrotóxicos inseridas no sistema Sisagua, do Governo Federal, pelas próprias distribuidoras de água ou Prefeituras, entre os anos de 2014 e 2017, ganharam uma versão mais simples: um mapa informativo.
Nele, ao inserir o nome da cidade, o morador pode saber não só se a quantidade de agrotóxico na água que ele consome está dentro do limite permitido pela legislação brasileira, mas também os tipos e o nível de toxidade de cada um deles.
As agências conseguiram os relatórios após entrar com pedido via Lei de Acesso à Informação.
“O que nós fizemos foi divulgar uma informação que é pública, mas que não estava acessível. Fizemos um esforço para traduzir a informação”, disse a jornalista da Repórter Brasil, Ana Aranha.
A jornalista ressaltou ainda que os dados “são todos do Sisagua e foram analisados de acordo com a metodologia do próprio Ministério da Saúde”.
“Ao longo da elaboração do mapa, nós consultamos o Ministério da Saúde para nos certificar de que estávamos lendo os dados de forma correta”, concluiu Ana.
Por meio desse esforço investigativo das organizações, que durou cerca de um ano, uma situação preocupante foi revelada à população brasileira: o excesso da concentração de alguns dos 27 agrotóxicos que as distribuidoras de água são obrigadas, por lei, a detectar e lançar no sistema Sisagua.
Foi com base no mapa criado pelas organizações, que se questionou as condições da água em 50 cidades do interior do Rio. Dos 50 municípios, foram encontrados dados de apenas 14, pressupondo que o restante, 36, sequer enviou informações ao governo federal. Todos foram procurados por esta reportagem.
Pelo mapa pode-se ver que a maioria dos grandes centro urbanos fornecem água contaminada á população.
A reportagem continua sendo atualizada conforme recebe dados e informações dos municípios pesquisados, você pode acompanhar no link do G1.