Para agilizar aprovação, que pode ocorrer já no segundo semestre deste ano, Anvisa autorizou aceleração da entrega de dados e documentos
Por Esper Georges Kallás, The Conversation
A dengue, causada pelo vírus transmitido pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti e, em menor proporção, do mosquito Aedes albopictus , é uma doença aguda caracterizada principalmente por febre alta, dores no corpo e vermelhidão na pele.
Uma pequena fração das pessoas que apresentam sintomas pode apresentar agravamento da doença no final da primeira semana. Esses casos, classificados como dengue com sinais de alerta e dengue grave pela Organização Mundial da Saúde (OMS), são os mais preocupantes, levando a morbidade e mortalidade significativas em regiões tropicais e subtropicais em todo o mundo.
Na dengue com sinais de alerta, além dos sintomas clássicos, podem ocorrer pequenas quantidades de sangue nas mucosas, hematomas, dores abdominais, vômitos, desidratação, inquietação, tontura, cansaço excessivo e sonolência.
A dengue grave é resultado de uma maior reação inflamatória sistêmica, que altera a coagulação sanguínea e leva à perda de líquidos. As consequências podem incluir sangramento intenso e queda repentina da pressão arterial, responsáveis pelo choque associado à dengue, principal causa de morte.
O número de pessoas com doença grave é pequeno comparado à incidência total da doença. Dos três milhões de casos confirmados de dengue no Brasil em 2023, apenas 0,1% apresentaram os piores sintomas da doença, segundo a OMS.
No entanto, à medida que o número de casos continua a aumentar em 2024, esta pequena percentagem exerce um grande impacto, com ainda mais pressão sobre os serviços de saúde. O Brasil registrou mais de um milhão de casos suspeitos e dezenas de mortes por dengue em 2024 até o início de março de 2024, segundo o Ministério da Saúde, um aumento bastante significativo em relação ao mesmo período de 2023.
Esta situação faz parte de um grande aumento global da doença, que já registou cinco milhões de casos em 129 países.
As principais vítimas
As crianças pequenas e os idosos podem ter mais dificuldade em lidar com infecções graves devido a problemas de imunidade. Outro fator importante relacionado à dengue grave é que ela é mais frequente na segunda e terceira infecções. Como existem quatro vírus causadores da dengue no mundo, DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4, uma determinada pessoa pode ser infectada quatro vezes.
A probabilidade de desenvolver os sintomas mais graves na primeira infecção é baixa, mas aumenta na segunda e na terceira, especialmente entre pessoas com outras doenças. Isto parece ocorrer porque os anticorpos produzidos pelo organismo contra um tipo de vírus da dengue facilitam a entrada de um segundo vírus da dengue, que não é completamente neutralizado. Parece que estes entram nas células com mais facilidade e se multiplicam mais rapidamente. Este mecanismo é conhecido como “aumento dependente de anticorpos”. Com o aumento do número de casos, o fenômeno precisa de atenção especial.
Para evitar esta situação, é preferível ter proteção contra os quatro tipos de vírus da dengue. Em tempos de surtos cíclicos, não podemos mais permanecer descobertos. Caberá então à vacinação ajudar-nos a atingir esse objetivo.
Vacina de dose única
Uma vacina contra a dengue deve ser capaz de obter alta eficácia contra os quatro vírus, ser segura e ser capaz de, em última análise, ajudar a conter a propagação do vírus. Ou seja, deve induzir proteção contra pelo menos três e preferencialmente contra todos os quatro vírus da dengue ao mesmo tempo, como se fossem quatro vacinas em uma.
Oferecer esta possibilidade em menos tempo, ou seja, numa dose única, poderá ser o factor decisivo para garantir uma protecção completa mais rapidamente, potencialmente travando os surtos e protegendo aqueles que mais precisam.
O Instituto Butantan trabalha no desenvolvimento de uma vacina contra a dengue desde o final da década de 1990. Publicaram recentemente os resultados primários da fase 3 da vacina candidata no The New England Journal of Medicine.
Com apenas uma injeção, proporciona boa proteção em uma faixa etária muito elástica, dos dois aos 60 anos incompletos, segundo os resultados publicados. Também tem o diferencial de poder ser aplicado em quem já foi infectado ou não pelo vírus da dengue.
A proteção foi observada em todas as faixas etárias, sendo 90% em adultos de 18 a 59 anos, 77,8% em pessoas de sete a 17 anos e 80,1% em crianças de dois a seis anos. A análise da eficácia do imunógeno foi realizada ao longo de dois anos com pouco menos de 17 mil voluntários em 16 centros de pesquisa. O estudo está em fase final e será concluído em junho de 2024.
O próximo passo será finalizar o dossiê com todas as informações do estudo para entrar com pedido de registro da vacina na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) até o segundo semestre de 2024.
O Butantan mantém permanente diálogo com a Anvisa para acelerar este procedimento de forma responsável, levando em conta os possíveis ajustes e melhorias de processos e a necessidade de contribuir no combate a este problema de saúde pública.
Em paralelo, o Instituto trabalha para aumentar sua capacidade de produção, a fim de ofertar o máximo possível de doses da vacina contra dengue para a população brasileira.
O Butantan também mantém estreita comunicação com o Ministério da Saúde, com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e mesmo com a OMS na disposição de colaborar com os esforços coletivos no enfrentamento da dengue no Brasil e na América Latina.
Em tempos de avanço mundial da dengue devido às mudanças climáticas, a chegada de uma nova vacina de dose única para evitar epidemias e mais mortes pode ser arma fundamental no enfrentamento da dengue. A Butantan-DV tem os predicados para ser uma importante ferramenta para a saúde pública brasileira.
More information: Esper G. Kallás et al, Live, Attenuated, Tetravalent Butantan–Dengue Vaccine in Children and Adults, New England Journal of Medicine (2024). DOI: 10.1056/NEJMoa2301790
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.