Diversões e perigos na Roma Antiga

Roma já era uma metrópole na antiguidade, e nela também haviam classes sociais distintas, e a busca por diversão, principalmente ao anoitecer. Mas o perigo também rondava os antigos romanos.

Por BBC; History.

Pintura de Baltassare Peruzzi (1481-), Apollo și muzele, Wikimedia Commons

Roma foi a primeira metrópole multicultural do mundo. Já no século I a.C.. quando a cidade contava com mais de um milhão de habitantes, nem tudo era a opulência e os excessos amplamente documentados na história. Em Roma também havia pessoas pobres, bairros marginais e áreas extremamente sujas, sem nenhum tipo de saneamento.

Longe do belo centro cívico, o Império era um labirinto de ruelas estreitas e corredores. Não havia iluminação pública e nem lugar para jogar excrementos, que muitas vezes eram arremessados pelas janelas das casas, junto com outros dejetos. Ao anoitecer, havia uma força paramilitar de vigilância: os vigias urbanos, que às vezes eram heróis e outras vilões. Basicamente, as vítimas de delitos precisavam se defender sozinhas. 

Mas não era só sofrimento. Pelas noites, as pessoas frequentavam clubes, tabernas e bares, nos quais os homens bebiam, apostavam e paqueravam as garçonetes. Em paredes preservadas nas ruínas de Pompeia, algumas pinturas mostram essas cenas típicas do cotidiano de um bar. Os afrescos retratam grupos de homens sentados ao redor das mesas, pedindo outra rodada de bebidas, flertando ou jogando dados.

Enquanto a plebe aproveitava a vida noturna, os ricos descansavam confortavelmente em suas luxuosas casas, sendo servidos por escravos e sob a proteção de cães de guarda. Da segurança de seus lares, a agitada vida das ruas era quase inaudível. A elite romana desprezava esses lugares e denunciava os maus hábitos dos pobres e seu vício em jogos e bebidas. No entanto, muitos ricos, como o próprio imperador Nero, disfarçavam-se e frequentavam os mesmos lugares, em busca de aventuras.

Quando o sol baixava, Roma se tornava algo bem diferente das imagens de filmes e séries. Getty Images

Caminhar pelas ruas podia ser fatal

O melhor ponto de partida é a sátira do poeta Juvenal, que evocou uma imagem desagradável da vida cotidiana em Roma ao redor de 100 d.C..

Juvenal alertou sobre os riscos de caminhar pelas ruas ao anoitecer sob janelas abertas. No melhor dos casos, podiam chover os excrementos armazenados durante o dia. No pior, uma pessoa podia ser acertada na cabeça pelos objetos lançados dos andares superiores.

“Penses nos diferentes e diversos perigos da noite. (…)

Se tu fores a um jantar sem um testamento, merecerás a pena de ser chamado de incauto e indiscreto, porque estarás sujeito a muitos perigos.

Há morte sob cada janela aberta em seu caminho.

Farás bem, portanto, se ao céu pedires que a maior desgraça que tentem te causar, seja que se contentem em banhar-te, jogando sobre ti o vaso pestilento.”

Juvenal também fala do risco de topar com pessoas ricas que passeavam com seus mantos escarlates e comitivas de seguidores parasitas e empurravam para o lado quem estivesse em seu caminho.

Mas esta visão do poeta de Roma à noite é precisa? Foi realmente um lugar onde coisas caíam sobre as cabeças dos transeuntes, onde os ricos e poderosos te derrubavam no chão e passavam por cima e no qual, como Juvenal observa em outras passagens, uma pessoa corria o risco de ser assaltada e roubada por gangues de bandidos? Provavelmente, sim.

O poeta Juvenal escreveu uma sátira sobre as noites da Roma antiga. Imagem Wikipedia.

Não havia força policial

Fora do esplêndido centro cívico, Roma era um labirinto de ruelas estreitas e corredores. Não havia iluminação pública, nem locais adequados onde jogar fora excrementos ou, ainda, vigilância de uma força policial. Ao anoitecer, deve ter sido um lugar ameaçador.

A única proteção pública possível de esperar era a força paramilitar dos vigias urbanos. O que exatamente faziam e quão efetivos eram são pontos abertos para debate.

Estavam divididos em batalhões, e sua principal tarefa era vigiar o surgimento de incêndios, algo frequente nos blocos de casas mal construídas, com braseiros ardendo nos andares de cima.

Mas havia poucas ferramentas para lidar com eles, além de uma pequena quantidade de vinagre, algumas mantas para sufocar as chamas e hastes pesadas para derrubar as construções vizinhas e evitar que o incêndio se propagasse.

Às vezes, eles se tornavam heróis. De fato, há um memorial para um vigia em Ostia, perto de Roma, que tentou resgatar pessoas presas pelo fogo e morreu no processo – seu enterro foi pago pelo poder público.

Mas nem sempre eram tão altruístas. No grande incêndio de Roma do ano 64 d.C., a história conta que os vigias participaram dos saques à cidade e se aproveitaram de seu conhecimento sobre ela para encontrar grandes riquezas.

Proteção por conta própria

De qualquer forma, os vigias não eram uma força policial e tinham pouca autoridade quando ocorriam pequenos delitos noturnos.

Quem fosse vítima de um, tinha de se defender sozinho, como mostra um caso particularmente difícil discutido em um antigo manual sobre direito romano.

O caso se refere a um comerciante que mantinha seu negócio aberto à noite e deixou uma luminária no balcão que dava para a rua. Quando o objeto foi roubado, o dono da loja perseguiu o ladrão, e eles começaram a brigar.

O criminoso tinha uma arma – um pedaço de corda com um metal na ponta – e a usou contra o comerciante, que reagiu com um golpe tão forte que arrancou o olho do ladrão.

O dilema dos advogados romanos era se o comerciante era responsável pelo ferimento. Em um debate que ecoa alguns dos nossos próprios dilemas de até onde o dono de um negócio ou imóvel pode ir para se defender de um criminoso, os advogados disseram que o ladrão estava armado e havia dado o primeiro golpe, portanto, devia assumir a responsabilidade de ter pedido um olho.

O incidente é um bom exemplo do que poderia ocorrer nas ruas de Roma depois do anoitecer: pequenas brigas podiam ganhar grandes proporções e uma vasilha jogada de uma janela poderia ser fatal.

Os romanos não tinham proteção após a chegada da noite. Triumphal Arch Of Constantine At Night é uma pintura de AM FineArtPrints – Pixels

Bares e jogos de azar

Mas a noite romana não era apenas perigosa: era também divertida. Havia clubes, tabernas e bares abertos até altas horas.

Ainda que uma pessoa compartilhasse uma casa pequena com muita gente, se fosse um homem, poderia escapar do aperto por algumas horas para beber, fazer apostas ou se divertir com as garçonetes.

A elite romana desprezava estes locais. Ainda que o jogo fosse uma das atividades favoritas da sociedade romana – dizia-se que o imperador Claudio havia escrito um manual sobre o tema -, isso não impediam que as classes mais altas denunciassem os maus hábitos dos pobres e seu vício em jogos de azar.

Felizmente, temos algumas imagens da diversão em bares romanos do ponto de vista dos cidadãos comuns e não de seus críticos. Elas não estão em Roma, mas nas paredes dos bares de Pompeia, e mostram cenas típicas: grupos de homens sentados ao redor de mesas, pedindo outra rodada de bebidas, a interação entre clientes e garçonetes e uma grande quantidade de jogos. Há até indícios de violência.

Nesta pintura de um bar de Pompeia, que hoje está no Museu Arqueológico de Nápoles, vemos à esquerda uma dupla de jogadores que têm uma desavença sobre o jogo e, na direita, o proprietário ameaçando expulsá-los dali.

O proprietário de uma taberna diz: ‘Se querem brigar, saiam daqui’. Getty Images

E os ricos?

Onde estavam os mais ricos durante essa agitada vida noturna nas ruas? A maioria estava cômodamente dormindo em suas camas, em casas luxuosas, com o auxílio de escravos e a proteção de cães de guarda.

Por trás das suas portas, reinava a paz – a menos, é claro, que houvesse um ataque -, e só ouviam os sons da vida dura nas ruas. Mas havia romanos na elite para quem a vida nas ruas era muito mais emocionante, e era ali que eles queriam estar.

Nas ruas de Roma, podia-se encontrar o imperador Nero em suas noites livres. Ao anoitecer, segundo conta seu biógrafo Suetônio, ele se disfarçava, visitava os bares da cidade e vagava pelas ruas, provocando confusão com seus companheiros.

Quando cruzava com homens a caminho de casa, os golpeava. Quando tinha vontade, invadia lojas fechadas e vendia no palácio o que roubava. Também se metia em brigas e, aparentemente, corria com frequência o risco de ser ferido ou morto.

E, ainda que muitos dos ricos evitasem sair de casa depois do anoitecer, outros faziam isso acompanhados por escravos que atuavam como seguranças privados ou um grande séquito de ajudantes, em busca de diversão.

Pelos relatos de Suetônio, talvez um dos maiores perigos de se andar à noite em Roma fosse encontrar o imperador.

O imperador Nero costumava vagar pelas ruas de Roma disfarçado para se divertir e provocar confusão. Getty Images.

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