‘Stonehenge da Amazônia’, erguido no meio da floresta, ainda guarda mistérios para a ciência

Sítio arqueológico foi construído por indígenas no AP e funciona como observatório astronômico. Local, que foi usado para funerais, é estudado por arqueólogos desde 2006.

Por G1.

Desde que foi descoberto, o sítio de Calçoene foi escavado três vezes por arqueólogos — Foto: Mariana Cabral/Iepa

O Amapá possui dezenas de sítios arqueológicos mapeados, em cada um dos 16 municípios. Um dos maiores é popularmente conhecido como “Stonehenge da Amazônia”. O conjunto de grandes rochas fincadas no solo ainda é um mistério no meio da floresta, o que gera curiosidade e ainda o surgimento de lendas.

Apesar de as pesquisas ainda tentarem encontrar informações que cercam o megálito, os indícios encontrados por pesquisadores são de que ele foi construído por indígenas há cerca de 1 mil anos antes de Cristo, para observação astronômica e também para rituais.

O Parque Arqueológico do Solstício fica em uma das margens do Igarapé Rego Grande, na área rural de Calçoene, a 374 quilômetros de Macapá. O acesso é feito pelo ramal que liga a sede do município à Vila do Cunani, percorrendo 30 quilômetros.

Grupos de pesquisa realizaram escavações em 2006, 2009 e em 2013, autorizados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), segundo a gerência do Núcleo de Pesquisa Arqueológica (NuPArq) do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa), que administra a área.

Todas atestam a história milenar da presença indígena na região, antes do contato com europeus. É visível que as pedras foram colocadas no espaço.

A riqueza do lugar não está somente nas pedras, mas também debaixo delas, no solo. Arqueólogos já localizaram vasilhas cerâmicas, instrumentos confeccionados em pedra e urnas funerárias com restos mortais, que, para o Iphan, sugerem que o local foi um centro de rituais. O material faz parte do acervo do NuPArq/Iepa.

O sítio integrava a área de uma fazenda, e foi adquirido pelo Estado nos anos 2000, a fim de realizar pesquisas e tornar a região uma atração turística. A comparação logo começou a ser feita com o famoso monumento megalítico na Inglaterra.

“Como pesquisadores, não gostamos muito de chamar de Stonehenge porque dá a impressão de que é uma imitação, sendo que é uma criação autêntica do povo da Amazônia”, já destacou João Saldanha, que foi arqueólogo do Iepa e acompanhou as primeiras pesquisas na região.

Apesar do objetivo inicial voltado para o turismo, atualmente o sítio não possui estrutura para visitas e o acesso é restrito devido aos vestígios arqueológicos que ainda estão no local.

Urnas funerárias foram encontradas no sítio de Calçoene — Foto: Mariana Cabral/Iepa

Os índios

As características das urnas funerárias feitas em cerâmica indicaram que a região foi habitada pelo povo Arawak, que tem como descendentes os indígenas da etnia Palikur, que atualmente ocupam a fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa.

As urnas também demonstram que o local era usado para funerais de maneira diferente como ocorre atualmente. Os índios tratavam o ato como uma cerimônia festiva.

Itens usados para fazer cerveja artesanal estavam entre os vestígios que indicaram a tese, como vestígios de cerâmica, que provavelmente eram usados para cerveja de mandioca ou milho, além de pratos, que devem ter sido utilizados para servir alimentos, segundo Saldanha.

João Saldanha, pesquisador do Iepa, durante explorações no sítio arqueológico — Foto: Mariana Cabral/Iepa

“O sítio é especial por conta do tamanho, do tipo de material que foi encontrado, e a disposição das rochas, o alinhamento delas, está relacionada com a observação astronômica. Foi um local pensado por esses grupos para ser especial a esse nível”, descreve o gerente da NuPArq, Lúcio Costa Leite.

Ainda com material guardado no sítio arqueológico, o gerente da núcleo explica que as pesquisas realizadas no espaço são esporádicas.

“As escavações não acontecem com frequência, mas os materiais coletados vêm sendo estudados desde então. […] Uma reforma iniciou em setembro para cercar o terreno”, disse Leite, acrescentando que os ajustes visam dar melhor condições de visitação ao local.

Disposição das rochas demonstram que local foi usado para observação astronômica — Foto: Heitor Reali/Acervo Iphan

O solstício

O dia em que o sol atinge o maior grau de afastamento angular do equador é possível ser visualizado através de sombras projetadas nas rochas do sítio em Calçoene. O solstício de inverno acontece entre 21 e 23 de dezembro, e o de verão entre 21 e 23 de junho.

A disposição das pedras e os buracos indicam o alinhamento astronômico dessas estruturas e a possibilidade do monitoramento meteorológico. Arqueólogos acreditam que o espaço era usado para acompanhar mudanças do período de estiagem para o chuvoso, duas únicas estações meteorológicas perceptíveis no Amapá em razão da linha do Equador.

Ainda é necessário entender como o “Stonehenge da Amazônia” foi construído, como as rochas foram levadas até o local, como foram organizadas num posicionamento preciso no solo, além de como funcionava o trabalho braçal dos povos indígenas milenares para a criação do lugar.

Em 2018, cientistas descobriram uso de técnicas agrícolas milenares no entorno do sítio. Foi o primeiro registro no país, segundo o Iepa. Os povos da região desenvolveram plantações elevadas que garantiam o plantio de grãos e raízes mesmo em áreas alagadas em função do longo período chuvoso na região.

Foto aérea do Parque Arqueológico do Solstício, em Calçoene, no Amapá — Foto: Arquivo NuPArq/Iepa


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