O processo deve ser concluído em até um ano, informou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo.
Por O Globo.
Os Estados Unidos comunicaram formalmente nesta segunda-feira a Organização das Nações Unidas (ONU) sobre sua saída do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas , decidida pelo presidente Donald Trump em 2017. O anúncio foi feito pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo .
Esta etapa-chave, que não poderia ter ocorrido antes devido a uma cláusula contida no texto, inicia um período de um ano para que Washington possa efetivamente concretizar sua saída.
Today we begin the formal process of withdrawing from the Paris Agreement. The U.S. is proud of our record as a world leader in reducing all emissions, fostering resilience, growing our economy, and ensuring energy for our citizens. Ours is a realistic and pragmatic model.— Secretary Pompeo (@SecPompeo) November 4, 2019
“A saída será efetivada um ano depois da notificação” enviada nesta segunda-feira à ONU, destacou Pompeo em um comunicado.
Isso significa que os principais nomes do combate às mudanças climáticas globais agora devem seguir sem a cooperação da maior economia do mundo.
A ação desta segunda inicia uma contagem regressiva de um ano, além de um esforço conjunto para preservar o Acordo de Paris, segundo o qual cerca de 200 países se comprometeram a reduzir as emissões de efeito estufa e ajudar os países pobres a lidar com os piores efeitos de um planeta já em aquecimento.
Embora a participação americana no Acordo de Paris seja determinada pelo resultado das eleições de 2020, os defensores do pacto dizem que precisam planejar um futuro sem a cooperação americana.
Diplomatas temem que Trump, que zombou de evidências climáticas, comece a trabalhar ativamente contra os esforços globais para se afastar dos combustíveis fósseis que aquecem o planeta, como carvão, petróleo e gás natural.
Manter a pressão para os tipos de mudanças econômicas necessárias para evitar os piores efeitos do aquecimento planetário será muito mais difícil sem a superpotência do mundo.
— Sim, há conversas. Seria louco não tê-las — disse, em Nova York, Laurence Tubiana, embaixadora da França que conduziu as negociações de Paris — Estamos nos preparando para um plano B.
Os negociadores passaram os primeiros meses da administração Trump debatendo estratégias para recuperar o apoio americano ao acordo. Trump provou ser irredutível.
Para que o acordo funcione sem os Estados Unidos, serão necessárias as assinaturas de outros poluidores importantes, como China e Índia. A China, agora o maior emissor de poluentes do aquecimento do planeta, fez promessas significativas, mas a capacidade de entrega de Pequim ainda está em questão.
Sob as regras das Nações Unidas, China e Índia são considerados países em desenvolvimento, e não são obrigados a reduzir as emissões. Eles concordaram em fazê-lo como parte do Acordo de Paris em grande parte porque os Estados Unidos estavam tomando medidas contra o Acordo. Com os Estados Unidos fora, outras nações industrializadas terão que pressionar essas potências emergentes.
A União Europeia realizou reuniões no ano passado em Pequim para confirmar o compromisso do bloco europeu e da China com o Acordo, além de fornecer milhões de dólares para ajudar nos esforços chineses de controle de emissões de gases poluentes. Ocorreu, também, um trabalho com o Canadá e outros países para coordenar padrões de investimentos financeiros públicos e privados em tecnologias de energia limpa.
Até agora, porém, a China resistiu ao compromisso de acelerar suas metas iniciais de controle de emissões, que preveem um aumento das emissões de gases de efeito estufa até 2030. A Europa, que está dividida em como vai reduzir seu uso de carvão, talvez não tenha uma arma nova para ganhar novas concessões.
— A UE é a linha de frente aqui. Isso é muito óbvio — disse o presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, em uma entrevista recente — A questão é: os outros vão ouvir a Europa?
Algumas nações estão considerando medidas mais punitivas. A França e a Alemanha propuseram este ano um imposto europeu sobre o carbono a ser adotado em países com políticas de proteção climática menos rigorosas.
Um imposto europeu sobre mercadorias importadas dos Estados Unidos certamente aumentaria as tensões comerciais com o governo Trump. Mas as empresas europeias estão preocupadas com o fato de enfrentarem concorrência desleal de países com proteção climática menos rígida quando os Estados Unidos se retirarem do Acordo de Paris.
No entanto, a Europa ensaia instituir esse imposto há anos, mas, até o momento, ainda não o cumpriu.
Enquanto isso, o governo Trump revogou as regulamentações da era Obama destinadas a conter gases de efeito estufa de usinas de energia, poços de petróleo e gás e escapamentos de automóveis. Também emitiu regras que facilitam a operação de usinas a carvão antigas por mais tempo e a entrada em operação de novas usinas.
Essas ações ocorrem em meio a avisos de cientistas das Nações Unidas de que, a menos que os países reduzam drasticamente suas emissões na próxima década, o mundo excederá 1,5°C do aquecimento global em meados do século, levando à escassez de alimentos, ao agravamento dos incêndios e a outras ameaças à civilização.
Enquanto nenhuma outra nação seguiu a liderança de Trump e deixou o Acordo de Paris — na verdade, mais países aderiram —, poucas estão endurecendo suas metas de redução de emissões. Os analistas atribuíram isso à ausência de pressão dos Estados Unidos e alertaram que o antagonismo do governo Trump com a ação climática poderia atenuar as ambições futuras.
Esforços para criar estratégias para a possibilidade de um segundo governo Trump estão ocorrendo em casa e no exterior.
— Como a comunidade ficou arrasada em 2016, queremos estar em posição de estarmos preparados desta vez — disse Elan Strait, ex-negociador climático do governo Obama que trabalhou no Acordo de Paris e que agora trabalha na World Wildlife Foundation.
Coalização pró-Acordo de Paris tem grande adesão de americanos
Nos Estados Unidos, os ambientalistas estão pressionando estados, cidades e empresas a reduzir as emissões e migrar para fontes de energia renovável, como energia solar e eólica. Centenas de governos e empresas locais fizeram promessas de emissões sob um movimento chamado “We Are Still In”, que espera mostrar ao mundo que os americanos são pró-Acordo de Paris, mesmo que o governo não esteja.
Segundo o movimento, quase oito em cada dez americanos (77%) com direito a voto apoiam a participação do país no documento internacional. Entre os democratas, são 92%; entre os republicanos, 60%.
A coalizão de estados, cidades e negócios americanos comprometidos com as metas do Acordo de Paris representam 70% do PIB dos EUA e abrigam quase 65% da população.
Sessenta e duas empresas que atuam nos EUA — entre elas, muitas que constam do ranking da Forbes das 500 maiores do mundo — comprometeram-se à adoção de 100% de energia limpa em suas operações. Entre elas estão a Apple, o Bank of America e o Starbucks.
Essas chamadas promessas do governo subnacional são voluntárias e não há uma maneira acordada de calcular até que ponto seus esforços estão chegando coletivamente à promessa do presidente Barack Obama de reduzir as emissões em cerca de 28% em relação aos níveis de 2005 até 2025.
Paul Bodnar, diretor do Rocky Mountain Institute, disse que sua organização está finalizando um modelo para analisar o progresso em relação à promessa de Obama em Paris. Ele disse que os resultados preliminares ofereciam uma “imagem encorajadora” e que ele esperava estimular uma comunidade internacional preocupada.
— Cidades, estados e empresas não tiveram um lugar formal na mesa de negociações, mas o Acordo de Paris teve sucesso em grande parte porque suas vozes foram ouvidas e nos manterão avançando até que tenhamos um presidente que enfrentará a crise do clima, colocando a saúde e a segurança do público em primeiro lugar — afirmou Michael Bloomberg, filantropo bilionário e ex-prefeito da cidade de Nova York.
Bloomberg lidera o America’s Pledge, uma iniciativa para rastrear os esforços das cidades, estados e empresas dos Estados Unidos para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Tais esforços estão se expandindo internacionalmente.
Acordo climático é o segundo a ser abandonado pelos EUA
Enquanto o Acordo de Paris se concentrava nos governos nacionais, Tubiana disse que as ações dos estados, províncias, empresas e outros estão conduzindo algumas das mudanças mais concretas. O desafio, disse ela, seria criar maneiras de transformar todas essas promessas em um sistema capaz de reduzir as emissões globais.
— O que quer que aconteça no lado dos Estados Unidos, mesmo que um candidato democrata seja eleito, temos que nos preparar para ter uma estrutura — disse ela.
A carta às Nações Unidas na segunda-feira permitiria que Trump retirasse oficialmente os Estados Unidos do Acordo de Paris no dia seguinte às eleições presidenciais. Os Estados Unidos ainda teriam permissão para participar de negociações e pesar nos procedimentos, mas seriam rebaixados para o status de observadores.
Quase todos os candidatos presidenciais democratas prometeram que, se eleitos, uma de suas primeiras ações seria reingressar no acordo de Paris. A notificação da retirada quase garantiu que a mudança climática seria uma questão importante na próxima campanha, pelo menos para alguns eleitores.
Mas analistas alertaram que, mesmo que um democrata vença as eleições norte americanas em 2020, a reentrada não será necessariamente tranqüila. O Acordo de Paris é o segundo pacto global sobre mudança climática que os Estados Unidos aderiram sob um democrata e abandonaram sob um republicano. George W. Bush retirou os Estados Unidos do Protocolo de Kyoto de 1997.
Jonathan Pershing, que serviu durante o governo Obama como enviado especial do Departamento de Estado para as mudanças climáticas, disse que um democrata que aderisse ao Acordo de Paris provavelmente forneceria um conjunto específico de políticas mostrando como os Estados Unidos pretendem se afastar dos combustíveis fósseis.
Mesmo assim, disse ele, outros países teriam toda a cautela de que o pêndulo de apoio à ação climática pudesse recuar em outro ciclo eleitoral. Os Estados Unidos terão que conviver com essa desconfiança persistente, segundo ele.
— Os Estados Unidos foram anulados em muitos casos como parceiros — Você simplesmente não pode contar com eles.