Tudo que é dito para bebês e crianças, e a forma como é falado, pode influenciar o futuro adulto e a forma como irão viver e interagir em sociedade.
Por BBC.
A conversa termina rápido quando se fala com um recém-nascido. Eles não respondem nada. Não gemem quando você diz que vai chover e tampouco dão risada quando você conta uma piada.
Ao mesmo tempo, as primeiras semanas de vida estão cercadas de exaustão. Meu bebê não dormiu quando deveria, o que significava que eu também não conseguia dormir. Não é de se espantar que a conversa não fluía.
Começa a ficar mais fácil quando eles se tornam mais responsivos, mas ainda assim não me ocorria naturalmente murmurar em resposta às gargalhadas do meu bebê, ou falar em uma linguagem de bebês, com grandes, altos e lentos sons de vogais. Muitas vezes eu ficava admirada quando outras pessoas, especialmente aquelas com aparente habilidade com crianças, tinham conversas inteiras com meu bebê.
Alguns meses depois, à medida que os bebês começam a responder mais, com sons e risadinhas, fica mais fácil. No entanto, estudos mostram que alguns pais e mães ainda não falam muito com seus bebês e que isso pode ter consequências negativas duradouras — visíveis até no cérebro.
Nos anos 1990, cientistas fizeram uma descoberta preocupante em relação à grande diferença no aprendizado da linguagem por crianças. Os pesquisadores Betty Hart e Todd Risley foram para casas de famílias de diferentes grupos socioeconômicos e passaram uma hora por mês fazendo gravações. Eles fizeram isso por mais de dois anos.
Analisando os dados, eles descobriram que as crianças das famílias mais pobres ouviam, por hora, um terço da quantidade de palavras em comparação às crianças das classes mais altas. Segundo a projeção deles, aos 4 anos de idade haveria uma diferença de 30 milhões de palavras entre o que as crianças de origem pobre e as de origem rica aprenderam.
Esse estudo estava longe de ser ideal. A amostra era pequena e não está claro se a diferença de palavras é tão grande quanto os pesquisadores sugeriram pela primeira vez.
Desde então, outros críticos mostraram, ao considerar o que se escuta dentro e fora de casa, que crianças de baixa renda ouvem muito mais palavras do que Hart e Risley relataram inicialmente. Em resposta a esses críticos, outro grupo destacou que “as crianças pequenas não ganham muito com o que escutam sobre tópicos de interesse para adultos”.
Se esse “déficit de palavras” realmente existe, isso é problemático porque a linguagem é conhecida por ser um dos indicadores mais importantes de como será sua vida, desde seus primeiros anos de escola até a universidade e a carreira. Para ler, aprender números e até articular suas memórias, você precisa da linguagem.
“Na corrida, você já começa ficando para trás”, diz Kathy Hirsh-Pasek, diretora do Laboratório de Linguagem Infantil da Temple University, na Filadélfia.
Essa defasagem também afeta o cérebro. Os neurocientistas agora são capazes de mostrar como o cérebro responde à exposição precoce à linguagem. Um grupo liderado por Rachel Romeo, neurocientista e especialista em patologia da fala e linguagem do Hospital Infantil de Boston, mostrou que as interações conversacionais podem ter um benefício perceptível no desenvolvimento do cérebro. A equipe gravou conversas em casas de famílias, monitorando a quantidade de idiomas a que foram expostas as crianças e o número de turnos de conversa. As crianças que tiveram mais conversas demonstraram melhor desempenho nas tarefas de compreensão da linguagem.
Essas crianças também apresentaram conexões mais fortes na substância branca no cérebro, em duas áreas importantes para a linguagem — um aumento que pode acelerar o processamento nessas áreas. A chamada substância branca é responsável pela transmissão de informações no sistema nervoso.
Isso, segundo Romeo, mostra como as conversas contribuem para o desenvolvimento do cérebro. “Descobrimos que mais conversas se correlacionavam com conexões mais fortes nesse caminho, que por sua vez estavam relacionadas às habilidades de linguagem das crianças”, diz Romeo.
De fato, um grande conjunto de evidências mostra que não é a audição passiva — ou mesmo a quantidade de palavras a que uma criança é exposta — o que mais importa. É a qualidade da conversa que é importante. Ou seja, a natureza de troca, que requer ouvir e responder. É o que Hirsh-Pasek e Roberta Golinkoff chamam de “dueto de conversação”, porque “você não pode cantar sozinho”. Outro estudo aponta que, se uma conversa é interrompida por uma ligação de telefone, por exemplo, a criança não aprende uma palavra recém-apresentada a ela, mas aprenderá se a conversa não for interrompida.
A equipe de Romeo deu um passo além em um estudo de acompanhamento que ajudou os pais a entender a importância de conversas com “turnos”. Nesse grupo, eles descobriram aumentos na substância cinzenta nas regiões social e de linguagem do cérebro das crianças.
“Isso não é coincidência”, diz ela. Faz sentido que as áreas sociais e de linguagem do cérebro estejam “andando juntas” nessas relações pais e filhos, pois a linguagem está na base de nossas relações sociais e ambas são fundamentais para a maneira como aprendemos.
“Temos esse desejo humano de nos comunicarmos”, diz ela. “Além disso, desenvolvemos nossas habilidades de linguagem e essas habilidades de linguagem constroem uma base para um nível superior de cognição.”
Enquanto isso, outro grupo, este no Laboratório de Bebês de Princeton, monitorava os cérebros de bebês para descobrir que, quando eles se envolviam em brincadeiras interativas, como cantar ou ler, seus padrões de ativação cerebral começavam a convergir. Em outras palavras, seus cérebros “se unem”, explica Elise Piazza, do Instituto de Neurociências da Universidade de Princeton, a principal autora do trabalho. Outras vezes, quando participam de atividades separadas, a “sincronia neural” entre seus cérebros desaparece, diz ela.
“É como se você estivesse tão sintonizado que não está operando como duas pessoas, mas como uma. É aí que acreditamos que o aprendizado se intensifica e ocorre, e é isso que a conversa traz”, diz Hirsh-Pasek.
Status socioeconômico
Dada a importância das conversas desde a infância, quão preocupados deveríamos estar com o “déficit de palavras” — e de onde ele vem?
Mesmo que o estudo de Hart e Risley não tenha sido perfeito, a ideia de que existe uma lacuna socioeconômica significativa foi replicada por dezenas de estudos. Em 2008, por exemplo, Meredith Rowe, da Universidade de Harvard, descobriu que os tipos de conversas diferem significativamente entre famílias de baixa e alta renda — em parte, devido aos diferentes níveis de educação alcançados pelos pais nesses grupos.
Em outras palavras, o “conhecimento dos pais” contribui positivamente para o desenvolvimento do vocabulário, diz Rowe. Neste estudo, os pais de maior renda usaram frases mais longas e mais vocabulário do que os pais de menor renda. “A principal descoberta aqui foi que a influência da pobreza na maneira como os pais se comunicavam com os filhos era explicada pelo quanto os pais sabiam sobre desenvolvimento infantil”, diz ela.
Se existe alguma associação entre status socioeconômico e habilidades verbais, pode ser porque a pobreza esteja ligada tanto aos níveis mais baixos de educação quanto a um maior estresse. Ambos os fatores significam que a qualidade das conversas pode ser afetada.
Mas o status socioeconômico não é determinístico.
Em um estudo de 2015, Hirsh-Pasek e colegas analisaram o discurso de 60 crianças, todas de famílias de baixa renda, aos dois anos de idade. Eles voltaram um ano depois para ver como essas crianças haviam se desenvolvido. Como previsto, as crianças que estavam participando de mais conversas aos dois anos demonstraram um domínio do idioma mais avançado um ano depois. Aqueles que tiveram menos conversas tiveram pior desempenho na linguagem.
Como essas crianças eram todas de famílias de baixa renda, os resultados mostram que a pobreza por si só não é o que predispõe uma criança a uma pior habilidade de linguagem.
“Não é apenas se você nasceu em um ambiente com poucos recursos, mas é como você interage com seu filho nesse ambiente que parece fazer a diferença”, diz Hirsh-Pasek.
Embora um déficit de palavras possa ter consequências duradouras, a boa notícia é que todos os pais conversam com os filhos pelo menos uma parte do tempo. Se os pais entenderem que as interações de qualidade são mais importantes que a quantidade, todas as crianças podem se beneficiar.
Quanto mais experiências sociais eles tiverem, seja com os pais ou com outros cuidadores ao seu redor, mais eles aprenderão, ela diz.
Existem outras maneiras de ajudar a acelerar esse processo também. O treinamento dos pais é eficaz, mas é demorado e caro. Felizmente, existem outros modos simples e testados, que ajudam a incentivar mais conversas de qualidade.
Hirsh-Pasek e colegas mostraram que, em comunidades com poucos recursos em alguns dos bairros mais pobres da Filadélfia, colocar avisos nos supermercados aumentou as conversas significativas em até 33%. Podem ser tão simples quanto pôsteres coloridos, com perguntas como “De onde vem o leite?” e “Qual é o seu vegetal favorito?”.
Visitei vários locais na Filadélfia — inclusive um ponto de ônibus, um playground em uma biblioteca e jogos de tabuleiro em tamanho humano no museu infantil Please Touch da Filadélfia, onde Hirsh-Pasek e sua equipe estão tentando outra abordagem. Aqui eles usam jogos para incentivar vários aspectos importantes da aprendizagem, do social ao cognitivo, do controle de impulsos à função executiva (jogos de solução de problemas). Eles foram cuidadosamente colocados em áreas onde as pessoas já se reúnem em grupos. E, embora os jogos sejam voltados para crianças, eles também foram extremamente divertidos para nós, adultos.
O projeto, chamado “Playful Learning Landscapes” (Paisagens de Aprendizagem Lúdica, em tradução livre), envolveu a colaboração com prefeituras e arquitetos para “transformar locais do cotidiano em oportunidades de aprendizagem”. Além disso, o monitoramento cuidadoso de pesquisadores mostrou que alguns desses projetos ajudaram a aumentar as conversas em 30% a 55%.
“Quando você torna esses ambientes interessantes, é mais provável que os pais larguem os celulares, olhem nos olhos dos filhos e tenham uma conversa significativa”, diz Hirsh-Pasek. “Imagine o que poderíamos fazer se tornássemos o mundo um pouco mais divertido”.
Com vontade suficiente, os pesquisadores dizem que seria fácil recriar espaços semelhantes em muitas outras cidades.
No Reino Unido, o governo lançou um projeto online, em que simples alertas incentivam os pais a conversar mais com seus filhos. “Hungry Little Minds” é uma campanha de três anos com o objetivo de “incentivar os pais a se envolverem em atividades que apoiam a aprendizagem precoce de seus filhos e ajudam a prepará-los para a escola e além”.
Para alguns, o estresse do dia a dia pode deixar menos tempo para conversar e brincar com as crianças. Mas agora está claro que ajustes sutis na maneira como falamos com crianças — e como ouvimos — podem estimular o cérebro delas.
Sabendo disso, agora me pego pensando nos padrões cerebrais do meu bebê enquanto falo com ele, contando trechos do meu dia, mas também fazendo perguntas para ver como ele responde. Muitas vezes, sou recebida com um sorriso sem dentes. Outras vezes, ele não responde nada. Mas mesmo assim, agora eu sei que seu cérebro pode estar se desenvolvendo por causa disso — algo em que todos nós, pais ou cuidadores, podemos desempenhar um papel crucial.