Do livro “A América e as Américas (Rumos do Mundo)” de Pierre Chaunu
O Novo Reino de Granada, futura Grande Colômbia, contava 2.200.000 habitantes por volta de 1800 e pouco mais de 2.000.000 em 1840. Depois desta data, o crescimento é retomado, a Colômbia propriamente dita passa de 2 a 3,6 milhões de 1840 a 1890, a Venezuela, de 0,8 a 2,3 milhões. O Peru, com 1,4 milhão por volta de 1800, contava 2 milhões em 1840 e 3,2 somente em 1890. Mais sintomático ainda, o caso da Bolívia, o verdadeiro coração do Antigo Império: 800 mil habitantes por volta de 1800, 600 mil após os fastos da independência, em 1840, 1,4 milhão em 1890, 2,6 milhões em 1914.
Mais favorecida, a América Central (antiga Capitania Geral da Guatemala, a efémera Confederação Centro-Americana subdividida, em 1839, em Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica) passa de pouco menos de 1.000.000 de habitantes em 1800 a pouco mais de 2.000.000 possivelmente por volta de 1850 e a 3.600.000 em 1900.
No México, dá-se paralisação semelhante após as destruições da independência: 5,8 milhões por volta de 1795; 6,5 milhões por volta de 1810; 7 milhões em 1840; 11,5 milhões em 1890; 13,6 em 1900; 14,2 em 1921; 19,4 em 1940; 35 milhões em 1960. As perdas territoriais de 1836, 1848 e 1853 (mais de 2 milhões de km2, ou seja, um território maior do que o México atual, 1.969.000 km2), graves se pensarmos em suas potencialidades, que o México talvez não chegasse a aproveitar, não têm nenhuma influência demográfica. Os territórios do Norte eram praticamente desertos no momento de sua conquista pelos Estados Unidos.
Se quisermos medir a amplitude do recuo dessas Américas fortemente povoadas de índios e mestiços, do México ao Baixo e Alto Peru, incluindo arbitrariamente a Venezuela, basta lembrar que elas totalizavam ainda, por volta de 1750, 80% da população da América. Eram então, ou pouco faltava para isso, quase toda a América. Em 1850, a América possui 55 milhões de habitantes (28 para a América Latina, 25 para o Norte, 3 para as Ilhas), e as Américas índias, 17 milhões. Em um século, elas passam de 80% para 31% no conjunto americano. Não lhes foram favoráveis as oportunidades do século XIX.
As repúblicas andinas
O sonho de Santa Cruz
A Independência hispano-americana é marcada por brutal e perigoso agravamento da sorte dos índios. Constituições, na aparência moderadamente censitárias, nem por isso deixam de excluir da vida política 90 a 95% da população, em razão da extrema concentração da propriedade e, mais ainda, em razão da ignorância da língua espanhola pela massa: a língua oficial constitui verdadeira barreira. Nenhum ato jurídico terá exercido maior influência do que o famoso decreto de Bolívar sobre a «distribuição das terras de comunidades». Em seus considerandos, pretende fomentar um pequeno campesinado indígena, provocando a divisão das terras comunais. Entregues a índios analfabetos, que ignoravam a moeda, a lei, a língua, aquelas parcelas vão engrossar as haciendas, completando o processo de exploração dos índios. Ou ignorância ou má-fé, um pouco de cada coisa.
Essa exploração sem compensação cria uma situação perigosa. Tal perigo exprime-se por levantes camponeses esmagados pelo exército (cujos quadros são crioulos), ou por leis agrárias prometidas por um cattdillo ousado. As ditaduras militares na América andina representam às vezes uma espécie de radicalismo mestiço em oposição ao lealismo crioulo.
Tal é o caso da ditadura na Bolívia, a partir de 1827, do general Andrés de Santa Cruz, mestiço, filho de espanhol e, segundo ele próprio afirmava, de uma princesa inca. Em sua juventude, admirou profundamente as façanhas de Tupac Amaru. Foi talvez isto o que o salvou de cair no radicalismo social que seus adversários temiam. O sonho de Santa Cruz toma, com efeito, uma orientação política: a união dos dois Perus, base de uma reconstituição puramente geográfica do Antigo Império Inca. Com Santa Cruz, pela primeira vez mas não a última, o sonho inca irrompe na política andina.
Senhor do Alto Peru e da Bolívia, ele choca com a hostilidade da aristocracia crioula do Baixo Peru, de cultura puramente hispânica, de tradição lealista e cheia de desconfiança para com o Mestiço. Da diplomacia, Santa Cruz passa à guerra (1831); em 1835 entra em Lima; em 1836, é proclamada a Confederação dos dois Perus. A Europa ocidental (Inglaterra e França), assim como os Estados Unidos, reconhecem a nova Confederação, mas a América Latina é-lhe hostil, pois vê nela uma ameaça para a cultura branca. Hostilidade da Argentina de Rosas, do Chile, este novo bastião de uma América branca cheia de intransigência e de ardor pioneiro. Seu exército consegue, em 1839, a dissolução da Confederação.
O guano e o chinês
No momento mesmo em que se dissipa o sonho de Santa Cruz, a costa pacífica entra de novo na economia mundial, graças ao guano. A agricultura inca do litoral já conhecia o valor desse fertilizante. A corrente de Humboldt, a elevação das águas frias ricas em nitratos, nitritos, amoníacos e fosfatos, mantêm um plâncton de excepcional riqueza: «o plâncton alimenta cardumes de enchovas que servem de alimento aos bandos de pássaros que escurecem o céu e submergem as ilhas.»
Estes pássaros depositam seus excrementos nas ilhas costeiras, ao largo de Iquique (20° 15′ 3″), nas ilhas de Lobos (6′ 30″). Atacados por bactérias e submetidos a um clima árido, estes excrementos formam o guano, «um dos melhores adubos do mundo». As transformações da agricultura europeia e a aceleração dos meios de transporte vão promover o guano, por volta de 1840, à categoria de grande produto do comércio internacional. De 16.000 toneladas em 1841, as exportações do guano peruano ultrapassam 250.000 toneladas em 1851; posteriormente, as exportações, após um curto refluxo, ganham novamente alento.
Como no Peru há falta de homens para este trabalho repugnante e como a África está muito longe e a época do tráfego escravo já passou, recorre-se aos culis chineses. De 1849 a 1874, 300.000 a 400.000, ao que nos é dado saber, deixam, apesar das proibições imperiais, as costas do Sul da China, tocados pela miséria, pela fome, pelos reveses da guerra dos Taipings; 90.000 deles dirigem-se ao Peru. Ainda hoje, Lima possui seu bairro chinês (Calle Capor), assim como São Francisco. Os culis, 500 na Califórnia em 1849, 70.000 em 1864, estão, no mesmo momento, na retaguarda do ouro da Califórnia e da Pacific Railway, como também substituem os negros em Cuba no desenvolvimento do açúcar e do tabaco.
Os índios dos planaltos aclimatam-se mal à costa, os negros (40.000, dos quais 13.000 escravos em 1850) foram sempre um luxo, um capricho de ricos. Eles não são em número suficiente aqui. Em Novembro de 1849, uma coligação de aristocratas da terra e do mar (hacendados e gttaneros) faz aprovar no Parlamento uma lei que prevê grandes prêmios para aqueles que se encarregarem do transporte em larga escala de trabalhadores chineses, munidos de um contrato segundo o qual os culis ficam obrigados a trabalhar durante 8 anos para um senhor, em troca das despesas da viagem. Tal sistema repete os indented servants da Virgínia colonial. Em 1856, é tal o escândalo que, quando a conjuntura o permite, a medida é revogada.
Aquele colapso corresponde perfeitamente a uma modalidade americana da crise de 1857. Na Europa, após fortes sintomas nos fins de 1856, e começa definitivamente em Abril de 1857; nos Estados Unidos, os sintomas chegam mais cedo, em 1856, e a catástrofe no segundo semestre de 1857. O guano obedece a uma modalidade norte-americana – ou melhor dizendo, californiana – da conjuntura mundial.
Mas a crise passa, e em 1861 a coligação dos hacendados e dos guaneros recompõe-se. O tráfico de Amarelos recomeça, indo até 1874.
Quatro a cinco grandes Companhias peruanas monopolizam este «tráfico do cobre». Navios estrangeiros trabalham para estas companhias cujos capitais também são estrangeiros: portugueses e italianos encabeçam este comércio, mas também os franceses têm uma boa posição; 95% saem pelo porto de Macau. Uma minoria de voluntários, mais de 80%, talvez, de raptos, feitos por bandos armados protegidos pela polícia portuguesa. As Companhias pagavam aos recrutadores aproximadamente 2 dólares por «voluntário» entregue a bordo e revendiam-nos por 500 dólares no porto de chegada. Graças a esta feliz disparidade de preços, e apesar mesmo das distâncias, esse tráfego resulta rentável. O transporte é efetuado nas mesmas condições dos antigos navios negreiros. A travessia dura de 100 a 120 dias.
Segundo estatísticas oficiais, muito abaixo da realidade, a mortalidade é de 40% entre 1850 e 1856, de 30,4% ainda de 1861 a 1865 e cai a pouco menos de 20% por volta de 1870, pois se tem a preocupação, então, de tornar respeitável uma instituição ameaçada. Teoricamente, o chinês é condenado a 8 anos de trabalhos forçados, mas, recorrendo a um jogo de multas, o senhor utiliza-o facilmente durante 10, 12 e até mesmo 15 anos. 80% dos chineses são empregados nas grandes haciendas situadas no litoral, 20% na extração do guano.
É necessário recordar aqui que, tanto no Peru quanto na Califórnia, essa imigração é muito mal vista, apesar das diferenças formalmente reconhecidas. Preconceito racial, preconceito religioso: os chineses não são cristãos e, contrariamente ao que acontecia nos tempos coloniais, ninguém pensa em convertê-los. Todos os vícios lhes são imputados – a sodomia naturalmente não faz exceção – e suas revoltas são atrozes. Haccndados e guancros cedem em 1874 sob a pressão do descontentamento popular e a reprovação da opinião internacional, assim como com a reviravolta da conjuntura.
A intervenção espanhola
Estas riquezas provocam conflitos. O guano abre caminho aos nitratos, que, como sabemos, são a origem da Grande Guerra do Pacífico (1879–1883), a qual garantirá, por muito tempo, a hegemonia chilena. Mas o guano foi primeiro responsável indiretamente por um curioso empreendimento espanhol: intervenção armada no Peru e no Chile, de 1863 a 1866. Não podemos isolá-la da intervenção francesa no México (1862-1867). Ela explica-se pela onda expansionista europeia. A Espanha de Isabel II participa, na medida de suas possibilidades e de seu temperamento, deste grande movimento. Cada qual aproveita a quebra do poderio norte-americano. No momento em que os Estados Unidos se eclipsam, a Europa procura acrescentar aos laços de dependência econômica um retorno aos laços tradicionais.
A 10 de Agosto de 1862, a expedição do contra-almirante Luís Pinzón deixa Cádiz. Esta expedição, pretensamente científica, mostra logo sua verdadeira face. A 14 de Abril de 1864, a esquadra ocupava pela força as Ilhas Chincha, de onde o Peru tirava a maior de suas rendas. Lima capitula imediatamente e assina o humilhante tratado de 27 de Janeiro de 1865. A reação nacional parte de Arequipa, sob a liderança do coronel Prado, 28 de Junho de 1865. A 20 de Outubro, Prado, senhor do Peru, denuncia o tratado.