Yontama é a mais recente de uma linhagem de chefes de estação felinos que ajudaram a salvar a linha férrea de Kishigawa, na Prefeitura de Wakayama, no Japão, administrada pela empresa Ferrovia Elétrica Wakayama.
Fonte: BBC. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.
Em uma manhã de maio, na estação de trem Idakiso, no Japão, uma pequena gata se aquece sob sol enquanto é fotografada por um grupo antes de receber um carinho na barriga de uma criança.
Enquanto a gatinha de pelos brancos, marrons e pretos ronronava e miava nos braços de um visitante, um funcionário da estação olhava e sorria, intervindo apenas para reposicionar gentilmente o chapéu de condutor de trem na cabeça do animal sempre que ameaçava escorregar sobre seus olhos.
“Tê-la aqui na estação deixa todo mundo feliz”, diz o funcionário, enquanto o gato brincava com o celular de um turista. “Eu às vezes esqueço que ela é minha chefe.”
Yontama é a mais recente de uma linhagem de chefes de estação felinos que ajudaram a salvar a linha férrea de Kishigawa, na Prefeitura de Wakayama, no Japão, administrada pela empresa Ferrovia Elétrica Wakayama. Ela cruza uma região montanhosa e rural do país famosa por suas encostas repletas de templos e trilhas sagradas que atraem peregrinos.
Esta história começou no final de 1990 com uma gata tricolor jovem chamada Tama, que vivia perto da Estação Kishi – a última de 14 paradas de uma linha de 14,3 km que liga pequenas comunidades à cidade de Wakayama – e costumava passear perto dos trilhos, atraindo a atenção e afeição dos passageiros.
Ao longo dos anos, a natureza doce e fotogenia de Tama a tornaram popular entre os viajantes, que começaram a se referir a ela como a “chefe de estação” de Kishi.
Mas, em meados dos anos 2000, uma combinação de baixo fluxo de passageiros e problemas financeiros ameaçavam fechar a linha férrea, e os funcionários de suas 14 estações foram dispensados em 2006.
Mas, felizmente, não foi o fim da ferrovia ou o papel da gata nesta história. “Em 2006, o atual presidente da Ferrovia Elétrica Wakayama, Mitsunobu Kojima, foi convidado pelos moradores a revitalizar a linha Kishigawa após o proprietário anterior ter anunciado que seria abolida”, diz Keiko Yamaki, executivo da Ryobi, empresa proprietária da companhia que administra a estrada de ferro.
Yamaki explica que o proprietário de uma loja de conveniência local perto da Estação Kishi, que havia se tornado a guardiã de Tama, decidiu de mudar e pediu que a ferrovia cuidasse de Tama.
“Nosso presidente sempre foi um fã de cachorros, mas, quando conheceu Tama, ele se apaixonou por ela”, diz Yamaki, enquanto mostra em seu telefone fotos do seu chefe abraçando alegremente a gata.
Logo depois de adotar Tama, Kojima encomendou um chapéu personalizado para a gatinha e, em janeiro de 2007, a nomeou oficialmente “chefe de estação de Kishi” – o primeiro felino a ocupar esse posto no Japão.
O efeito ‘Tama’
Como chefe de estação, um dos deveres de Tama era ser o rosto da ferrovia e aparecer em material promocional e na cobertura da mídia. Ela também às vezes cumprimentava os passageiros do topo de uma mesa montada nos portões de entrada ou em seu “escritório” – uma bilheteria equipada com uma bandeja para fezes e sua cama.
Tama era tão querida entre passageiros e funcionários da ferrovia que logo foi pintado um retrato dela, que agora fica ao lado de várias fotos dela na loja de souvenirs da Estação Kishi – onde os visitantes podem comprar de tudo, desde crachás e chaveiros com a imagem da gata a doces da marca que leva seu nome.
Em vez de um “salário”, ela recebia toda a comida de que um gato precisa. Também recebeu uma promoção em 2008, quando tornou-se uma supergerente de estação e foi até condecorada pelo governador da Prefeitura.
Milhares de turistas começaram a chegar à pequena estação de plataforma única apenas para conhecê-la.
De fato, de acordo com um estudo de 2008 de Katsuhiro Miyamoto, professor da Escola de Contabilidade da Universidade de Kansai, estima-se que a presença de Tama na estação tenha atraído 55 mil à Linha Kishigawa além do esperado em 2007.
Durante seu reinado como chefe de estação, de 2007 a 2015, contribuiu com 1,1 bilhão de ienes (R$ 39 milhões) para a economia local. Com sua ajuda, Ferrovia Elétrica Wakayama diz que o número anual de passageiros na linha aumentou quase 300 mil em relação a 2006.
Para capitalizar a febre em torno de Tama, em 2010, a ferrovia contratou o premiado designer Eiji Mitooka – conhecido por seus elegantes trens-bala japoneses – para redesenhar completamente os trem por dentro e por fora para que fosse uma linha férrea temática de Tama. Foi assim que a estrada de ferro Tamaden nasceu.
Em homenagem à gata, as laterais dos dois vagões brancos da Tamaden agora são decorados com pegadas e desenhos de Tama. A frente do trem ainda tem pequenos bigodes, enquanto no interior há pisos de madeira e prateleiras com livros infantis. Como toque final, quando as portas se abrem em cada estação, alguns miados soam pelo sistema de som – uma gravação das “voz” real de Tama.
Quando Tama faleceu em 2015, tinha 16 anos e já havia aparecido em importantes programas de TV, revistas e jornais em todo o Japão.
Milhares de pessoas compareceram ao seu funeral na estação, deixando pilhas de buquês de flores e latas de atum no local. A ‘Honorável Mestre da Estação Eterna’, como ela é agora chamada, foi então homenageada com um santuário do tamanho de uma cabine telefônica na plataforma de Kishi, e na tradição religiosa xintoísta japonesa, ela foi elevada ao status de deusa da Ferrovia Elétrica Wakayama.
Gata é homenageada até hoje
Para celebrar ao que teria sido seu 18º aniversário, em 2017, Tama foi homenageada pelo buscador do Google com um doodle próprio. E, quatro anos após sua morte, sua conta no Twitter tem mais de 80 mil seguidores, um número que continua a crescer.
“A Tamaden realmente se tornou muito popular entre pessoas de todas as idades”, diz Yamaki. “Nós vemos muitas crianças e famílias e idosos com seus netos. Mas também casais e muitos estrangeiros que vêm andar de trem e ver os chefes de estação.”
Hoje em dia, uma das ex-aprendizes de Tama, Nitama, de 8 anos (literalmente: “Tama Dois”), trabalha como chefe de estação de Kishi, com Yontama, de 4 anos de idade (“Tama Quatro”) como sua assistente felina a cinco estações de distância em Idakiso.
Ambas trabalham das 10h às 16h com dois dias de folga por semana: segunda e sexta-feira para Yontama; quarta e quinta-feira para Nitama. E Tama Três? Atualmente, é funcionária do empresa Bondes Elétricos Okayama, no Japão, e é diretora interina do Museu Okaden.
Embora Tama e suas sucessoras tenham desempenhado um papel importante no renascimento da Linha Kishigawa, Yamaki faz questão de salientar que o renascimento da ferrovia não foi exclusivamente devido às gatas.
A ferrovia também contratou Mitooka para criar vários outros trens temáticos para ajudar a atrair turistas, incluindo um trem de morango (ichigo densha) e um trem de ameixa em conserva (umeboshi densha) – ambas frutas pelas quais Wakayama é bem conhecida.
Em 2009, Mitooka também projetou um novo prédio para a Estação Kishi, uma pequena estrutura em forma de cabeça de gato. Pequenas orelhas se erguerem do telhado, a entrada serve como uma boca e duas janelas ovais que se erguem do teto inclinado lembram olhos – cada um brilha em amarelo quando as luzes se acendem à noite.
“A estação ganha vida quando os olhos se iluminam”, diz Yamaki. “Dizem que os gatos afastam o mal e o infortúnio. Talvez a estação faça isso.”
Superstição e sorte
Talvez sim. Afinal, ao longo da história, os gatos foram considerados um símbolo de boa sorte no Japão. Diz-se que as famosas figuras de gato Maneki-neko, que acenam com sua pata esquerda, trazem boa sorte às empresas, o que as levou a serem colocadas em vitrines de lojas em todo o mundo.
Há também santuários e estátuas em todo o Japão dedicadas a gatos – como o Santuário Nekogami em Kagoshima, onde dois gatos foram consagrados por um senhor de guerra feudal em homenagem ao seu serviço militar.
Mais de 10 “ilhas de gatos” japonesas, onde centenas de felinos vivem livres, tornaram-se destinos turísticos populares, assim como muitos cafés para gatos animais de estimação em Tóquio.
Em uma nação que parece especialmente apaixonada por felinos, Tama e suas sucessoras não apenas trouxeram muita sorte para a Linha Kishigawa, como também conquistaram um lugar no coração de muitos japoneses.