Bienal de Veneza aborda dilemas atuais, do aquecimento global às ‘fake news’

Brasil será representado por Bárbara Wagner e o alemão Benjamin de Burca, mas não terá representantes na mostra central.

Fontes: O Globo; Vogue.


‘Building bridges’, instalação do iataliano Lorenzo Quinn, na qual seis pares de braços se tocam sobre um canal.

A 58ª edição da Bienal de Veneza, que abre para o público hoje, após três dias de pré-inauguração, tem como tema curatorial a expressão “Que você viva em tempos interessantes”, inspirado no que seria uma célebre (e irônica) maldição chinesa: apesar do aparente tom de dádiva, “tempos interessantes” costumam ser os mais turbulentos.

A Bienal de Veneza ficará aberta ao público até 24 de novembro, refletindo sobre temas frequentemente abordados no noticiário internacional, como a intolerância, a imigração, o aquecimento global e a explosão das fake news .

A Bienal não é apenas um, mas sim dezenas de eventos associados, desde apresentações nacionais oficiais até aparições imprevisíveis e desconexas. Conseguir lidar com quem-o quê-onde pode ser arrebatador – mas de uma forma divertida e carregada de arte.

A exposição da Bienal é o coração de tudo – um monstro, dividida em dois locais no Arsenal (um antigo complexo de estaleiros que remonta ao século XII) e Giardini (um parque) a leste da cidade.

Alguns dos temas abordados pela curadoria, como a imigração e o ressurgimento da xenofobia, já podiam ser vistos mesmo antes da abertura da mostra ao público. Uma das obras mais polêmicas desta edição, “Barca nostra”, do suíço Cristoph Buchel, foi criada a partir dos destroços de uma embarcação naufragada no Canal da Sicília, em 2015, no qual 800 imigrantes perderam a vida.

“Barca nostra”, do suíço Cristoph Buchel – Bienal de Veneza 2019

Protagonista do que foi considerado o pior naufrágio do Mediterrâneo, o navio foi içado de 370 metros de profundidade, após autorização do Ministério da Defesa italiano, e atracado no Arsenal, antigo estaleiro que hoje recebe obras da Bienal. Outro naufrágio, no qual morreram 304 estudantes em Sewol, é lembrado em uma instalação da sul-coreana Lee Bul.

O tema da imigração também é abordado pela mexicana Teresa Margolles, com a instalação “Muro Ciudad Juarez, 2010”. Além da violência do narcotráfico, a construção de blocos de concreto com arame farpado no topo alude ao muro na fronteira entre EUA e México, promessa de campanha que Donald Trump tenta cumprir.

O Brasil será representado pela brasiliense Bárbara Wagner e o alemão Benjamin de Burca, dupla que ocupa, com a instalação em vídeo “Swinguerra”, o pavilhão do país, curado pelo espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, que assinou a 33ª edição da Bienal de São Paulo (2018).

Já na mostra central, que tem curadoria do americano Ralph Rugoff, a arte brasileira, parafraseando o tema do evento, já viveu tempos mais interessantes (no sentido positivo da palavra). Após três edições, o Brasil não terá nenhum representante na seleção principal.

Em 2017, foram quatro brasileiros selecionados (Ernesto Neto, Ayrson Heráclito, Erika Verzutti e Paulo Bruscky), além de Cinthia Marcelle no pavilhão; em 2015, ano em que Antonio Manuel, Berna Reale e André Komatsu ocuparam o espaço nacional, Sônia Gomes foi escolhida para a mostra central.

Ralph Rugoff, o novo curador da edição de 2019 da Bienal de Arte de Veneza Foto: Ansa

A seleção feita por Rugoff, diretor da London’s Hayward Gallery, é menor do que a das edições anteriores (são 79 artistas, contra 120 em 2017, e 136 em 2015). O número de artistas latinos também foi reduzido, em comparação à última edição, que contou com 14 deles. Este ano, foram selecionados cinco: os argentinos Ad Minoliti e Tomás Saraceno (que mora em Berlim); a uruguaia Jill Mulleady (que vive em Los Angeles); e os mexicanos Gabriel Rico e Teresa Margolles. Ainda que o foco sobre a região seja menor, a ausência de brasileiros leva a pensar se há outros fatores, além dos critérios artísticos, que ofusquem a produção do país, como a crise econômica e política que se arrasta desde 2015.

Ernesto Neto, que esteve no evento em 2001 e 2017, acredita que a opção da curadoria pode sinalizar uma mudança no olhar sobre a produção global, mais focada no circuito europeu e americano.

— Em momentos de crise global, como agora, a tendência é que o olhar se volte para questões mais próximas. Ainda é cedo para dizer. Se a próxima edição seguir assim poderemos ver com mais clareza — observa Neto, que em 2017 foi a Veneza com seis índios huni kuin, do Acre. — Sem desmerecer nossos problemas, que não são poucos, não ter brasileiros na seleção central é uma mancada. Mas é preciso que o país se olhe no espelho e pare de sentir vergonha do que vê. O dia em que isso acontecer, vai chover curador aqui para ver o que estamos fazendo.

Ayrson Heráclito defende que a arte brasileira é maior do que as crises que chegam ao noticiário internacional, até por sua capacidade de responder a elas.

— Somos conhecidos pela tradição da arte social e política, e conquistamos um espaço importante no circuito internacional — opina Heráclito. — A ausência de brasileiros e a baixa presença de sul-americanos realmente chama a atenção. Até porque alguns dos selecionados desenvolvem seus trabalhos nos EUA e na Europa. Faltou olhar mais para o Sul.

Selecionada para Veneza em 2015, Sonia Gomes também lamenta a ausência de brasileiros na mostra geral, uma vitrine para o circuito global.

— Até expor em Veneza, nunca tinha sido convidada por nenhuma grande instituição brasileira. Fui descoberta primeiro lá fora — comenta Sonia, que viaja hoje para a Bélgica, onde abre uma individual na Mendes Wood de Bruxelas, em 8 de junho. — A ausência em Veneza não reflete a percepção internacional da arte brasileira, o interesse ainda é grande.

Bauer Hotel – Foto: Divulgação

Leitura social e política

No Pavilhão do Brasil, a instalação retrata uma de nossas mais fortes expressões culturais, a dança. No vídeo “Swinguerra”, Bárbara Wagner e Benjamin de Burca investigam as swingueiras, encontros de grupos na periferia pernambucana.

— É uma responsabilidade grande representar o Brasil, mas não fugimos de nossa metodologia de trabalho para fazer isso — destaca Bárbara, de Veneza. — A resposta do público na pré-abertura foi muito positiva. Estamos trazendo uma leitura social e política do Brasil, mesmo sem uma abordagem explícita. Quem vê o filme, percebe a diversidade dos corpos.


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