ITER – O projeto internacional de criar fusão nuclear como o sol começa nova fase

O projeto ITER, que junta 35 países no mesmo plano científico, anuncia o início de uma nova era da energia de fusão nuclear, para gerar eletricidade e escala industrial sem emissões. Cerimônia que assinalou início da montagem do reator aconteceu hoje 28/07/20 na França.

Com informações de Público; Correio Braziliense.

Um técnico passa pelo ciclador inferior do criostato, que fornece o ambiente de alto vácuo e ultra-frio para o tanque de vácuo e os ímãs supercondutores durante o lançamento do estágio de montagem da máquina de fusão nuclear “Tokamak” do Reator Termonuclear Experimental Internacional ( ITER) em Saint-Paul-les-Durance, sudeste da França, em 28 de julho de 2020. (foto: CLEMENT MAHOUDEAU / AFP)

As peças da máquina gigante que será uma “fábrica” do Sol na Terra e está sendo montada no Sul de França começaram a chegar nos últimos meses, mas o projeto já tem mais de uma década. “O maior projeto científico do mundo” dá nesta terça-feira mais um passo em frente com a cerimônia oficial que assinala o início da montagem do reator de fusão nuclear conhecido como ITER (sigla para Internacional Termonuclear Experimental Reactor). O plano é abrir caminho a uma nova era da energia – acedendo a uma fonte segura, limpa, abundante e econômica – numa parceria inspiradora que foi iniciada por um tratado de 2006 e envolve 35 países – toda União Europeia (mais o Reino Unido), Suíça, Rússia, China, Índia, Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos, com a promessa de trazer o poder do Sol para a Terra. 

“A máquina ITER, o maior projeto científico do mundo, está sendo montada para replicar o poder de fusão do Sol que fornece luz e calor e possibilita a vida na Terra”, diz o comunicado de imprensa sobre a cerimônia que decorreu nesta terça-feira de manhã em Cadarache, próximo de Marselha, no Sul de França. A sessão oficial na gigante “fábrica do Sol” foi liderada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, e contou com a participação – à distância – de outros chefes de Estado e parceiros do projeto internacional. No seu breve discurso, Emmanuel Macron afirmou que olha para o ITER como “uma promessa de paz”. “É uma prova de que o que aproxima os povos é bem mais forte do que o que os separa”, disse, encarando o projeto também como “uma promessa de progresso” e um “ato de confiança no futuro”. 

“Acredito que a inovação desempenhará um papel fundamental na abordagem de questões globais, incluindo as mudanças climáticas e na concretização de uma sociedade livre de carbono sustentável”, afirma Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão, citado no comunicado de imprensa.

O reator experimental foi projetado há já vários anos, envolvendo um investimento de cerca de 20.000 milhões de euros, e deverá ser capaz de fornecer energia limpa, sem emissões.

Uma alternativa ideal aos combustíveis fósseis, como petróleo, gás, ou carvão, que emitem CO2, a fusão de hidrogênio também pode substituir a energia nuclear.

Vista aérea da montagem do ITER em Saint-Paul-les-Durance, sudeste da França, em 2018. Foto: Wikipedia

A fissão atômica (que consiste em dividir um átomo de urânio, produzindo criptônio, bário e um excedente de energia) gera resíduos radioativos que persistem dezenas de milhares de anos.

Por outro lado, a fusão (que se baseia na união de dois átomos de hidrogênio, produzindo um de hélio e um excedente de energia) “não gera resíduos duradouros”, explicou o CEO da Iter, Bernard Bigot.

Outra vantagem é que os combustíveis necessários para essa fusão, extraídos da água do mar e do lítio, estão disponíveis e, segundo Bigot, “um grama de combustível libera tanta energia quanto oito toneladas de petróleo.
É abundante o suficiente para abastecer a humanidade por milhões de anos. Uma quantidade deste combustível do tamanho de um abacaxi é equivalente a dez mil toneladas de carvão”. Por outro lado, adianta o documento divulgado esta manhã, é ainda uma fonte com custos de operação relativamente baixos. “Quando o ITER terminar, espera-se que demonstre que o poder de fusão pode ser gerado de maneira sustentável a uma escala comercial.” Ainda assim, o projeto não tem sido imune a críticas sobre os custos desta operação e de algumas reservas sobre a execução deste plano tão ousado.

O problema da fusão é que ela requer temperaturas e pressões, às quais nenhum material consegue resistir. Com isso, o processo deve ser confinado dentro de um campo magnético – algo que nunca foi feito antes.

Representação artística do reator de fusão nuclear: é o maior projeto desse tipo em todo o mundo (Foto: Divulgação/ITER)

Nos últimos meses, vários componentes deste reator experimental, chamado “Tokamak” – alguns deles da altura de um prédio de quatro andares e pesando várias centenas de toneladas – foram trazidos da Índia, China, Japão, Coreia do Sul e da Itália.

Os elementos estão chegando gradualmente, mas as milhões de peças desse quebra-cabeça tridimensional ainda precisam ser montadas. Este trabalho deve durar até 2024 e empregar 2.300 pessoas.

Há muito tempo que os cientistas trabalham para que a fusão do núcleo dos átomos se torne rentável. Foi só em 2014 que uma equipe norte-americana conseguiu, pela primeira vez, produzir mais energia por fusão nuclear do que a aplicada para iniciar a reação

Apesar do ambicioso objetivo de imitar o poder do Sol, esta máquina já conseguiu um feito notável sem ainda ter sequer ter começado a funcionar, ao juntar os 35 países parceiros no mesmo projeto. Estas nações, representando mais de 50% da população mundial e mais de 80% do produto interno bruto global, reuniram a sua vasta experiência e recursos para construir o primeiro dispositivo de fusão em escala industrial.

A França é o país anfitrião do plano que tem os custos divididos em diferentes parcelas, com a União Europeia, mais Reino Unido e Suíça, assumindo 45% da fatura e cada um dos outros membros do ITER financiando 9%.

“Cerca de 90% das contribuições dos membros do ITER são feitas em componentes, adicionando complexidade internacional a uma máquina já multifacetada, o tokamak (‘tórus magnético’). Quando terminar, o tokamak será composto por mais de um milhão de componentes”, lê-se no comunicado. O tokamak é um dispositivo em forma de donut, uma câmara de confinamento magnético onde se fará a fusão dos núcleos de dois átomos de hidrogênio, deutério (que encontramos no mar) e trítio (que tiramos do lítio).

Tal como um brinquedo, a máquina que quer imitar o Sol vai ser montada juntando peças soltas enviadas de fábricas, laboratórios e universidades de vários países para França, neste projeto sem precedentes. Alguns dos componentes do reator experimental de fusão nuclear pesam várias centenas de toneladas e têm dezenas de metros. Há mais de 10 mil pessoas trabalhando para o sucesso do ITER.


150 milhões de graus

O reator gigantesco deve permitir reproduzir a fusão de hidrogênio que ocorre no coração das estrelas.

Especificamente, essa fusão será obtida elevando a uma temperatura de cerca de 150 milhões de graus uma mistura de dois isótopos de hidrogênio transformados em plasma, o quarto estágio da matéria.

Iter poderia começar a produzir plasma no final de 2025, ou no início de 2026, e o reator poderia atingir a potência máxima em 2035. Como reator experimental, Iter não vai gerar eletricidade. Na melhor das hipóteses, será necessário esperar até 2060 para ter a primeira conexão à rede elétrica de um reator de fusão derivado do Iter.

Para gerar eletricidade, esses futuros reatores comerciais simplesmente usarão o calor gerado nas paredes de seu “tokamak” pelo bombardeio de nêutrons de fusão. Esse calor será evacuado através de um circuito de água pressurizada para ativar, com o vapor, uma turbina e um alternador.

Se conectado à rede, Iter produziria apenas 200 MW de eletricidade, o suficiente para abastecer cerca de 200.000 casas. Futuros reatores de fusão poderiam abastecer dois milhões de residências. Isso por um custo de construção e um custo operacional “equivalente ao de um reator nuclear convencional”, segundo Bigot.

No entanto, esses “sóis artificiais” são criticados por ambientalistas, que os veem como “um abismo financeiro” e “uma miragem científica”. O projeto já está cinco anos atrasado, com um orçamento inicial que triplica para quase 20 bilhões de euros.

O poder da fusão nucelar pode ser o futuro da energia limpa. Gif By NASA


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