As exonerações abrangem praticamente toda a área remanescente de ocorrência do mico-leão-dourado.
Informações do O Eco.
Em meio à pandemia, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) exonerou todos os chefes de unidades de conservação federais que protegem o habitat do ameaçado mico-leão-dourado. As exonerações dos gestores das reservas biológicas da União e Poço das Antas, e da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado foram formalizadas na terça-feira (12), no Diário Oficial da União. As unidades são os últimos redutos do mico-leão-dourado, restrito à fragmentos florestais no interior do estado do Rio de Janeiro, e de acordo com a Associação Mico-Leão-Dourado, a exoneração abrupta dos chefes dessas UCs pode ser mais uma ameaça para preservação da espécie.
O mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) é endêmico da Mata Atlântica de baixada costeira do Estado do Rio de Janeiro e hoje seu habitat está restrito à fragmentos florestais nos municípios de Silva Jardim, Casimiro de Abreu, Rio Bonito, Cachoeiras de Macacu, Araruama, Rio das Ostras, Cabo Frio e Macaé. Os fragmentos que o mico chama de lar são, em sua maioria, unidades de conservação, sendo a Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São João e as duas reservas biológicas, as áreas protegidas mais extensas e, portanto, mais importantes para conservação do mico-leão.
“É super preocupante [as exonerações] porque abrangem praticamente toda a área remanescente de ocorrência do mico-leão-dourado”, alerta o secretário-executivo da Associação Mico-Leão-Dourado, Luís Paulo Ferraz. “E dentro de um processo em que não houve discussão com ninguém. A Associação faz parte do Conselho das duas reservas biológicas e ninguém estava sabendo das exonerações”, completa.
O afastamento dos gestores, ao que tudo indica, é uma ação coordenada que antecipa a criação do Núcleo de Gestão Integrada de Rio das Ostras, onde além das três unidades de conservação, seriam inseridas também o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e a Reserva Extrativista (Resex) Marinha do Arraial do Cabo. As 5 UCs funcionariam de forma conjunta, com a sede administrativa no município de Rio das Ostras, e um único chefe, o da NGI. A criação do Núcleo ainda não foi oficializada no Diário Oficial da União, mas com as exonerações de todos os chefes, com exceção do gestor da Reserva Extrativista, parece ser questão de tempo até a NGI ser formalizada.
“Eles exoneraram os gestores das UCs onde têm o mico e não exoneraram o gestor de Arraial do Cabo. Será que a gente vai ter na gestão de unidades de conservação das florestas de baixada um gestor que está cuidando da pesca? Um problema que é importantíssimo, mas completamente diferente do que temos aqui”, questiona o secretário-executivo, que acrescenta que esse “é o pior momento para fazer uma reforma administrativa”, devido à pandemia do coronavírus.
“É um processo que não foi discutido com ninguém, com uma canetada exoneraram os chefes das unidades, sem colocar nada no lugar e sinalizando a criação de um Núcleo de Gestão Integrada com unidades que não tem nenhuma afinidade, nem proximidade física nem afinidade ambiental”.
A bióloga Rita Portela, chefe do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também criticou o novo formato de gestão que o ICMBio pretende implementar na região.
“As duas Rebios e a APA tudo bem, são próximas, acho que não há tantos riscos unificá-las numa única chefia, mas juntar com o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que é outra categoria de unidade de conservação e precisa de uma pessoa que saiba lidar com uso público e que é um ecossistema completamente diferente, de restinga; e com a Resex Arraial do Cabo, que é marinha e tem interação com pescadores e visa a conservação das práticas de pesca artesanal. São unidades de conservação muito diferentes e é muito difícil uma única pessoa que consiga gerir esses ambientes e ecossistemas tão diferentes e com propósitos tão distintos”, resume a pesquisadora, que assinou uma Nota de Repúdio pelo Instituto de Biologia da UFRJ contra a criação da NGI e as exonerações dos chefes.
“Nós, do Instituto de Biologia da UFRJ, trabalhamos nessas áreas, levamos nossos alunos, e a nossa opinião, do ponto de vista ecológico de conservação da natureza, é de que é muito infeliz a criação dessa NGI com essas 5 unidades, que parece que é o que vai ocorrer”, lamenta.
Caso seja oficializada a sede administrativa da NGI em Rio das Ostras, provavelmente ela será na base que já existe da Reserva Biológica (Rebio) da União no município, na margem da BR-101. De lá até a entrada principal da Rebio Poço das Antas são 30 km; até Arraial do Cabo, onde fica a Resex, são 81,5 km, cerca de 2 horas na estrada; até o ponto mais próximo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba são 46 km, e até a Praia de São Francisco, mais ou menos no meio do parque, são 95 km.
A distância geográfica da sede da NGI para as UCs é outra preocupação da bióloga. “Jurubatiba e Arraial do Cabo estão distantes e são áreas que precisam de pessoas no local, pois são unidades de conservação que recebem pessoas sem propósito de pesquisa e didática, como turismo, no parque, e para exploração mesmo, caso da pesca na Resex. Tirar os gestores dessas duas áreas é muito arriscado e vai dificultar muito essa gestão”.
Já a APA abrange 150.374 hectares e 7 municípios – Rio das Ostras não está entre eles. “A APA tem uma área muito mais ampla, inclui uma enorme quantidade de municípios e moradores, e você vai mover a equipe para Rio das Ostras, onde ela nem está?” questiona Ferraz.
O secretário-executivo da Associação Mico-Leão-Dourado ressalta ainda a importância em manter a coordenação nas mãos de um técnico para garantir a continuidade das ações de conservação. “Não é possível que para eficiência da unidade a melhor decisão seja retirar todos os seus funcionários da estrutura que já está lá. É um raciocínio muito tosco de que basta colocar as pessoas dentro de uma mesma sala que você vai diminuir custos. É isso? Se existe um estudo que prova que isso vai melhorar a gestão, cadê esse estudo? Se existe, nós queremos ver, nós queremos discutir”.
A falta de transparência do processo é uma das principais queixas das pessoas envolvidas em projetos de pesquisa e conservação nas áreas afetadas pelas mudanças feitas pelo ICMBio. “Não houve nenhuma discussão, nenhum critério técnico para afastar essas pessoas. É para economizar? Quanto vai ser economizado com essas medidas? Não há discussão, não há nada, há uma canetada exonerando as pessoas. E se tivesse uma discussão, os conselhos dessas unidades deveriam participar. Ninguém foi ouvido. As UCs envolvem muito mais pessoas do que a burocracia interna dos órgãos. Pessoas que precisam ser ouvidas, precisam participar, não é possível que as coisas funcionem desse jeito”, critica o secretário-executivo.
“É uma insanidade que coloca em risco vários esforços de conservação, de pesquisa, e para o programa de conservação do mico-leão-dourado isso é uma ameaça gravíssima”, conclui.