Al-Jahiz: O filósofo muçulmano que formulou teoria da evolução mil anos antes de Darwin

A teoria da evolução, do cientista britânico Charles Darwin, é uma das pedras angulares da ciência moderna.

Por BBC; 1001Inventions; Wikipedia.

Capa do livro ” 1001 Invenções e o Livro dos Animais “, que traz à vida um dos livros mais antigos escritos em árabe sobre animais – 1001Inventions

A ideia de que as espécies mudam gradualmente por meio de um mecanismo chamado de seleção natural revolucionou nossa compreensão do mundo vivo.

Em seu livro A Origem das Espécies, de 1859, Darwin definiu a evolução como uma “descida com modificações”, demonstrando como as diferentes espécies surgiram de um ancestral comum.

Mas parece que a própria teoria da evolução também tem um ancestral no mundo islâmico.

Quando Charles Darwin morreu em 1882, foi enterrado na Abadia de Westminster, ao lado de outras grandes figuras nacionais. Getty Images

Seleção natural

Cerca de mil anos antes de Darwin, um filósofo muçulmano que vivia no Iraque, conhecido como Al-Jahiz, escreveu um livro sobre como os animais mudam através de um processo que também chamou de seleção natural.

Seu nome real era Abu Usman Amr Bahr Alkanani al-Basri ( árabe : أبو عثمان عمرو بن بحر الكناني البصري ). Seu apelido, Al-Jahiz, significa alguém com olhos esbugalhados.

Não é a forma mais amistosa de chamar alguém, mas a fama de al-Jahiz se deve mesmo a seu livro Kitab al-Hayawan (O livro dos animais, em tradução livre).

Ele nasceu no ano 776 na cidade de Baçorá (Basra em inglês), sul do atual Iraque, numa época em que o movimento Mutazilah – uma escola de pensamento teológico que defendia o exercício da razão humana – estava crescendo na região, no auge do califado Abássida.

Obras acadêmicas eram traduzidas do grego para o árabe, e Baçorá sediava importantes debates sobre religião, ciência e filosofia que moldaram a mente de Al-Jahiz e o ajudaram a formular suas ideias.

Ele vendia peixe ao longo de um dos canais de Baçorá para ajudar sua família. Dificuldades financeiras, no entanto, não impediram Al-Jāḥiẓ de buscar continuamente conhecimento. Ele costumava se reunir com um grupo de outros jovens na principal mesquita de Baçorá, onde eles discutiam diferentes assuntos científicos. 

O papel havia sido introduzido no Iraque por comerciantes chineses, o que impulsionou a difusão de ideias, e o jovem Al-Jahiz começou a escrever sobre vários temas.

Seus interesses envolviam muitas áreas acadêmicas, como ciência, geografia, filosofia, gramática árabe e literatura.

Acredita-se que ele tenha publicado 200 livros durante a vida, mas só um terço sobreviveu até nossos dias.

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O Livro dos Animais

Sua obra mais famosa, O Livro dos Animais,foi concebida como uma enciclopédia que apresenta 350 espécies.Nela,Al-Jahiz postula ideias que se parecem muito com a teoria da evolução de Darwin.

“Os animais estão envolvidos numa luta pela existência e pelos recursos,para evitar serem comidos e se reproduzirem”,escreve Al-Jahiz.

Revista francesa com caricatura de Darwin e sua teoria de que os humanos e os macacos têm um ancestral comum.Getty Images

“Os fatores ambientais influenciam nos organismos fazendo com que desenvolvam novas características para assegurar a sobrevivência,transformando-os assim em novas espécies.”

Ele prossegue:“Os animais que sobrevivem para se reproduzir podem transmitir suas características exitosas a seus descendentes”.

Estava claro para Al-Jahiz que o mundo animal estava numa luta constante para sobreviver,e que uma espécie sempre era mais forte que outra.

Para sobreviver,osanimaistinham de possuir características competitivas para achar comida,evitar virar comida de outros e se reproduzir.Isso os obrigava a mudar de geração em geração.

As ideias de Al-Jahiz influenciaram outros pensadores muçulmanos posteriores.Seu trabalho foi lido por homens como Al-Farabi,Al-Arabi,Al-Biruni e Ibn Khaldun.

O“pai espiritual”do Paquistão,Muhammad Iqbal,também conhecido como Allama Iqbal,reconheceu a importância de Al-Jahiz em sua coleção de conferências,publicadas em 1930.

Iqbal ressaltou que“foi Al-Jahiz quem assinalou as mudanças que se produzem na vida dos animais devido à migração e às mudanças no meio ambiente”.

Abu Uthman Amr Ibn Bahr Al Qinanih Al Fuqaymih Al Basrih,também conhecido por Al Jahiz. 
(coretanzone.com)

‘Teoria maometana’

A contribuição do mundo muçulmano à ideia da evolução não era um segredo para intelectuais europeus do século 19. De fato, um contemporâneo de Darwin, o cientista William Draper, falava da “teoria da evolução maometana” em 1878.

No entanto, não há evidências de que Darwin conhecesse o trabalho de Al-Jahiz ou de que entendesse árabe.

É merecida a reputação que o naturalista britânico ganhou como um cientista que passou anos viajando e observando o mundo natural. Ele elaborou sua teoria com detalhes e claridade sem precedentes, transformando a forma com que pensamos o mundo.

Mas o jornalista científico Ehsan Masood, que realizou uma série para a BBC chamada Islam and Science (O Islã e a Ciência), diz que é importante recordar outros que contribuíram com a história do pensamento evolutivo.

Darwin notou uma variação do bico enquanto observava diferentes espécies de pássaros em Galápagos – Getty Images

Criacionismo

Ehsan Masood também destaca que o criacionismo não parecia existir como um movimento significativo no século 9 no Iraque, quando Bagdá e Baçorá eram os principais centros de ensino avançado na civilização islâmica.

“Os cientistas não passavam horas examinando paisagens da Revelação para ver se eram comparáveis com o conhecimento observado no mundo natural”, escreveu Masood em artigo sobre Al-Jahiz no jornal britânico The Guardian.

Ao fim, foi também a busca pelo conhecimento que provocou a morte de Al-Jahiz. Conta-se que, aos 92 anos, (dezembro 868/janeiro 869), ele tentou alcançar um livro em uma estante pesada, quando a estrutura desabou, matando-o.

O correio do Qatar criou um selo em homenagem a al-Jahiz como parte de sua série Personalidades do Islã. Imagem Estado do Qatar


1 comentário

  1. Muito bacana, mas essa forma de evoluir (que as espécies mudam PARA sobreviver) está mais pra lamarkismo do que pra darwinismo.

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