Maré alta histórica inunda Veneza

‘Acqua alta’ atingiu 1,87 m segundo o Centro de Marés da cidade italiana, a maior desde novembro de 1966.

Informações de El País; Veja; G1.

Uma mulher carregando uma crianças nos braços na Preça de São Marcos, que está inundada, em Veneza – 12/11/2019 (Manuel Silvestri/Reuters)

Veneza registrou na noite desta terça-feira (12/11) uma histórica “acqua alta” (maré alta), com um pico que pode atingir ou superar 1,90 metro, segundo o Centro de Marés da cidade italiana.

A Basílica de São Marcos inundada, palácios, museus, hotéis e lojas com a água quase até os joelhos, gôndolas arrastadas para as margens, a cidade paralisada e um morto. A maré alta da noite da terça-feira em Veneza deixou a cidade mergulhada numa situação de caos, como em 1966, quando l’acqua granda de 194 centímetros a alagou e provocou sérios danos no patrimônio arquitetônico e artístico. O governador da região, Luca Zaia, do partido direitista Liga, fala em “devastação apocalíptica” e pediu que o Governo central envie ajuda e declare estado de emergência. Mas a crise não passou ainda, e nesta quarta se esperava outra maré muito alta, de até 160 centímetros.

A lembrança da terrível inundação de 4 de novembro de 1966 começou a se materializar na terça, 12 de novembro, às 21h (17h em Brasília). A essa hora, um vento superior ao previsto se levantou, empurrando com força a água do Adriático para a Laguna de Veneza. O Centro de Previsão das Marés de Veneza, que também se viu afetado pelo fenômeno e ficou incomunicável, tinha previsto um máximo de 160 centímetros, às 23h. Mas às 22h40, a maré já alcançava 180 centímetros, e às 23h havia chegado a 187. “A situação é muito complicada, e neste momento não estamos dando conta”, disse um porta-voz municipal por telefone. “Há 80% da cidade sob a água, há danos inimagináveis”, anunciou Zaia. Alguns museus ficaram danificados, e outros lugares, como a Bienal, fecharam por precaução. “Não tivemos danos particulares, mas hoje a circulação deve ficar livre para outro tipo de necessidades”, disse uma porta-voz.

Por volta de meia-noite, o Centro de Marés indicava uma altura de 1,87 m, a maior “acqua alta” desde o recorde registrado em 4 de novembro de 1966. O nível das marés é registrado em Veneza desde 1923.

Um nível de maré de 1,87 m não significa que a cidade esteja submersa sob quase dois metros de água. Desta altura deve-se subtrair o nível médio da cidade, que se encontra em entre um metro e 1,30 m.

“Estávamos a par do fenômeno, mas fomos beber algo e quando saímos, olhem….”, declarou à AFP-TV uma turista francesa, que foi surpreendida pelas águas.

“Enfrentamos uma maré mais que excepcional. Todos estão mobilizados para manejar a emergência”, tuitou o prefeito de Veneza, Luigi Brugnaro.


O prefeito, Luigi Brugnaro — que passou a noite visitando diferentes bairros– solicitou ao Governo italiano que declare estado de emergência por desastre natural em Veneza e em suas ilhas (Murano, Burano, Lido e Pelestrina), tão afetadas como a velha cidade. Nela, um homem de 68 anos morreu fulminado por uma descarga elétrica quando tentava salvar sua casa das inundações. “Desta vez a situação é verdadeiramente grave, um vento soprava fortíssimo e alimentava a maré. Estes são os efeitos da mudança climática”, escreveu Brugnaro em sua conta do Twitter, enquanto percorria na noite de terça a praça de São Marcos. Várias zonas da cidade ficaram sem eletricidade, como o Lido e o Campo de Santa Margherita. A maioria de trajetos em vaporetto (lanchas de passageiros) foi suspensa, depois que três destas embarcações afundaram na Riva degli Schiavoni.

De acordo com o jornal italiano La Repubblica, um homem morreu eletrocutado ao tentar desligar a energia elétrica de sua casa, e os bombeiros atenderam 171 chamados de emergência pela cidade. Focos de incêndio causados por curto-circuitos foram reportados e controlados rapidamente. 

As águas inundaram o vestíbulo da basílica de São Marcos, algo pouco frequente.

A Basílica de São Marcos se encontra em um dos pontos mais baixos da cidade e é um dos monumentos mais afetados. O diretor de conservação da basílica, o arquiteto Mario Pina, passou toda a noite dentro do edifício tentando salvar os objetos do chão. “É um desastre, como em 1966, ou pior, ainda não sabemos. Trabalhamos a noite toda para proteger peças preciosas como crucifixos, apoiados nas partes mais baixas. A água entrou em toda a igreja e também na cripta, banhando os mosaicos”, declarou Pina ao EL PAÍS.


Quando a água entra na basílica, gera danos irreversíveis que se evidenciam com o tempo, conta o arquiteto. A água salgada se evapora, corrói o mármore e quebra os mosaicos. Em toda a história da basílica, construída no ano 828 e reconstruída depois de um incêndio em 1063, apenas em cinco ocasiões o vestíbulo foi inundado. O mais preocupante é que três dessas cinco grandes inundações ocorreram nos últimos 20 anos, a última em 30 de outubro de 2018.

O ministro italiano dos Bens Culturais, Dario Franceschini, anunciou nesta quarta (13/11) que, uma vez concluída a análise dos efeitos da “água alta”, chegará a verba para financiar a conservação da Basílica de São Marcos. O edifício, que conserva mosaicos bizantinos e o corpo de São Marcos, padroeiro da cidade, viu a água entrar seis vezes em 1.200 anos. Na última delas, há pouco mais de um ano, a água invadiu o pavimento milenar de mosaico de mármore e alagou completamente o batistério e a capela, arruinando portões de bronze bizantinos, colunas e peças de mármore. Passaram-se 53 anos desde a grande inundação de 1966, e Veneza continua tão frágil como então.

O fenômeno da “acqua alta” costuma inundar as zonas baixas da cidade, em particular a praça de São Marcos. Na noite desta terça-feira o fenômeno foi agravado pelo siroco, um forte vento saariano.

Para proteger Veneza das marés, que afetam cada vez mais seu patrimônio artístico, em 2003 foi iniciada a construção de 78 diques flutuantes com base no projeto MOSE (Módulo Experimental Eletromecânico). Este sistema fechará a lagoa em caso de excessiva elevação das águas do Adriático.

A praça de São marcos, inundada, Veneza, Itália – 12/11/2019 (Manuel Silvestri/Reuters)


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