Prefeitura ameaçou cassar licença da Bienal, enviou fiscais ao local que foram vaiados pelo público. Não encontraram muita coisa, os livros esgotaram.
Fontes: Metropoles; Portal do Holanda; G1.
Fiscais da Secretaria Municipal de Ordem Pública estiveram no inicio da tarde desta sexta-feira na Bienal do Rio, para checar de que forma o livro em quadrinhos ‘Vingadores, a Cruzada das Crianças’ estava sendo comercializado. O romance gráfico, que não é destinado ao público infantil, mostra beijo entre 2 personagens masculinos, os personagens Wiccano e Hulkling que são namorados. Sob vaias do público, os fiscais percorreram vários estandes, mas não encontraram nenhum exemplar do livro.
Menos de 40 minutos depois da abertura da Bienal, o livro já estava esgotado nos 520 estandes. Na véspera, o prefeito Marcelo Crivella havia criticado o livro, que apresenta personagens gays. A prefeitura informou que não se trata de homofobia, mas sim do respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que recomenda que “publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre”.
Nesta quinta-feira (5), o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, postou mensagem em rede social com vídeo afirmando ter determinado a organizadores do evento que recolhessem os exemplares. Na opinião dele, o livro tem conteúdo impróprio para menores.
Na postagem o prefeito não esclareceu com base em qual norma legal emitiu a determinação, se o livro foi efetivamente seria recolhido nem se a prefeitura iria aplicar alguma punição caso a determinação não fosse cumprida.
No Twitter, muitos internautas criticaram a atitude do prefeito. “Proteger as crianças é dar saúde, educação, moradia digna, e não censurar algo que nem tabu deveria ser pra qualquer um com o mínimo de humanidade”, escreveu um internauta.
A história, de autoria de Allan Heinberg e Jim Cheng, aborda a equipe dos Jovens Vingadores. Dela, fazem parte os personagens Wiccano e Hulkling, que são namorados. A edição, que não é nova, foi lançada em 2016, era oferecida em “saldões”. A editora Salvat, que a publicou, não expõe na Bienal este ano.
Resumo:
- Na noite de quinta, Crivella diz que vai mandar recolher exemplares de “Vingadores, a cruzada das crianças”;
- Bienal diz que não vai retirar livros e que dá “voz a todos os públicos”;
- Na manhã de sexta, todos os exemplares se esgotam em pouco mais de meia hora;
- À tarde, fiscais da prefeitura vão à Bienal para identificar e lacrar livros considerados “impróprios”;
- Bienal recorre à Justiça para garantir “pleno funcionamento do evento”; desembargador concede liminar
- OAB diz que prefeitura não tem poder para recolher livros
- Fiscalização não encontrou conteúdo em ‘desacordo com a legislação’.
Mais cedo, em nota, a Prefeitura informou que estava cumprindo o Estatuto da Infância e do Adolescente e ameaçou cassar a licença da Bienal (veja mais abaixo).
“Livros assim precisam estar em um plástico preto, lacrado, avisando o conteúdo”, disse o prefeito em vídeo nas redes sociais.
A Ordem dos Advogados do Brasil no Rio informou que a Prefeitura não tem poder para recolher os exemplares e que essa atribuição é da Justiça, se houver desrespeito ao estatuto da criança e do adolescente.
A nota da prefeitura
A Prefeitura do Rio citou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para justificar “a adequação das obras expostas”, usando o termo “homossexualismo”, que se refere pejorativamente aos homossexuais. A OMS aboliu esse termo há 28 anos, por não considerar a homossexualidade uma doença.
“A legislação determina que publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre (embaladas em plástico ou material semelhante), com a devida advertência de classificação indicativa de seu conteúdo”, diz a nota.
“No caso em questão, a Prefeitura entendeu inadequado, de acordo com o ECA, que uma obra de super-heróis apresente e ilustre o tema do homossexualismo a adolescentes e crianças, inclusive menores de 10 anos, sem que se avise antes qual seja o seu conteúdo.”
A prefeitura afirma que editora Salvat sabia da obrigação legal. “Tanto que a obra estava lacrada. Não havia, porém, uma advertência neste sentido, para que as pessoas fizessem sua livre opção de consumir obra artística de super-heróis retratados de forma diversa da esperada”, cita o comunicado.
A nota relata reclamação de frequentadores da feira, “que têm direito à livre opinião e opção quanto ao conteúdo de leitura de filhos e adolescentes, pessoas em formação”.
O texto rechaça ter havido “qualquer ato de trans ou homofobia ou qualquer tipo de censura à abordagem feita livremente pelo autor”.
“Em caso de descumprimento, o material sem o aviso será apreendido e o evento poderá ter sua licença de funcionamento cassada”, ameaçou a prefeitura.
‘Evento plural’
Os organizadores da Bienal emitiram um comunicado em resposta à tentativa de censura por parte do Estado, que diz que o evento é “plural, onde todos são bem-vindos e estão representados”.
O comunicado continua: “Inclusive, no próximo fim de semana, a Bienal do Livro terá três painéis para debater a literatura Trans e LGBTQA+. A direção do festival entende que, caso um visitante adquira uma obra que não o agrade, ele tem todo o direito de solicitar a troca do produto, como prevê o Código de Defesa do Consumidor”.
A Bienal Internacional do Livro Rio, consagrada como o maior evento literário do país, dá voz a todos os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser.