Após tentativa de censura do prefeito Crivella, HQ com cena gay se esgota na Bienal do Rio

Prefeitura ameaçou cassar licença da Bienal, enviou fiscais ao local que foram vaiados pelo público. Não encontraram muita coisa, os livros esgotaram.

Fontes: Metropoles; Portal do Holanda; G1.

Funcionários da Secretaria de Ordem Pública da Prefeitura do Rio vistoriaram livros na Bienal e foram vaiados por parte do público – Foto: Gabriel Paiva / O Globo


Fiscais da Secretaria Municipal de Ordem Pública estiveram no inicio da tarde desta sexta-feira na Bienal do Rio, para checar de que forma o livro em quadrinhos ‘Vingadores, a Cruzada das Crianças’ estava sendo comercializado. O romance gráfico, que não é destinado ao público infantil, mostra beijo entre 2 personagens masculinos, os personagens Wiccano e Hulkling que são namorados. Sob vaias do público, os fiscais percorreram vários estandes, mas não encontraram nenhum exemplar do livro.

Menos de 40 minutos depois da abertura da Bienal, o livro já estava esgotado nos 520 estandes. Na véspera, o prefeito Marcelo Crivella havia criticado o livro, que apresenta personagens gays. A prefeitura informou que não se trata de homofobia, mas sim do respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que recomenda que “publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre”.

Nesta quinta-feira (5), o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, postou mensagem em rede social com vídeo afirmando ter determinado a organizadores do evento que recolhessem os exemplares. Na opinião dele, o livro tem conteúdo impróprio para menores.

Foto Reprodução Twitter.

Na postagem o prefeito não esclareceu com base em qual norma legal emitiu a determinação, se o livro foi efetivamente seria recolhido nem se a prefeitura iria aplicar alguma punição caso a determinação não fosse cumprida.

No Twitter, muitos internautas criticaram a atitude do prefeito. “Proteger as crianças é dar saúde, educação, moradia digna, e não censurar algo que nem tabu deveria ser pra qualquer um com o mínimo de humanidade”, escreveu um internauta.

A história, de autoria de Allan Heinberg e Jim Cheng, aborda a equipe dos Jovens Vingadores. Dela, fazem parte os personagens Wiccano e Hulkling, que são namorados. A edição, que não é nova, foi lançada em 2016, era oferecida em “saldões”. A editora Salvat, que a publicou, não expõe na Bienal este ano.

Crivella manda recolher livro dos Vingadores que traz beijo entre homens — Foto: Reprodução/Redes Sociais

Resumo:

  • Na noite de quinta, Crivella diz que vai mandar recolher exemplares de “Vingadores, a cruzada das crianças”;
  • Bienal diz que não vai retirar livros e que dá “voz a todos os públicos”;
  • Na manhã de sexta, todos os exemplares se esgotam em pouco mais de meia hora;
  • À tarde, fiscais da prefeitura vão à Bienal para identificar e lacrar livros considerados “impróprios”;
  • Bienal recorre à Justiça para garantir “pleno funcionamento do evento”; desembargador concede liminar
  • OAB diz que prefeitura não tem poder para recolher livros
  • Fiscalização não encontrou conteúdo em ‘desacordo com a legislação’.

Mais cedo, em nota, a Prefeitura informou que estava cumprindo o Estatuto da Infância e do Adolescente e ameaçou cassar a licença da Bienal (veja mais abaixo).

“Livros assim precisam estar em um plástico preto, lacrado, avisando o conteúdo”, disse o prefeito em vídeo nas redes sociais.

A Ordem dos Advogados do Brasil no Rio informou que a Prefeitura não tem poder para recolher os exemplares e que essa atribuição é da Justiça, se houver desrespeito ao estatuto da criança e do adolescente.

Crivella manda recolher da Bienal livro dos Vingadores — Foto: Reprodução/Redes Sociais

A nota da prefeitura

A Prefeitura do Rio citou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para justificar “a adequação das obras expostas”, usando o termo “homossexualismo”, que se refere pejorativamente aos homossexuais. A OMS aboliu esse termo há 28 anos, por não considerar a homossexualidade uma doença.

“A legislação determina que publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre (embaladas em plástico ou material semelhante), com a devida advertência de classificação indicativa de seu conteúdo”, diz a nota.

“No caso em questão, a Prefeitura entendeu inadequado, de acordo com o ECA, que uma obra de super-heróis apresente e ilustre o tema do homossexualismo a adolescentes e crianças, inclusive menores de 10 anos, sem que se avise antes qual seja o seu conteúdo.”

A prefeitura afirma que editora Salvat sabia da obrigação legal. “Tanto que a obra estava lacrada. Não havia, porém, uma advertência neste sentido, para que as pessoas fizessem sua livre opção de consumir obra artística de super-heróis retratados de forma diversa da esperada”, cita o comunicado.

A nota relata reclamação de frequentadores da feira, “que têm direito à livre opinião e opção quanto ao conteúdo de leitura de filhos e adolescentes, pessoas em formação”.

O texto rechaça ter havido “qualquer ato de trans ou homofobia ou qualquer tipo de censura à abordagem feita livremente pelo autor”.

“Em caso de descumprimento, o material sem o aviso será apreendido e o evento poderá ter sua licença de funcionamento cassada”, ameaçou a prefeitura.


‘Evento plural’

Os organizadores da Bienal emitiram um comunicado em resposta à tentativa de censura por parte do Estado, que diz que o evento é “plural, onde todos são bem-vindos e estão representados”.

O comunicado continua: “Inclusive, no próximo fim de semana, a Bienal do Livro terá três painéis para debater a literatura Trans e LGBTQA+. A direção do festival entende que, caso um visitante adquira uma obra que não o agrade, ele tem todo o direito de solicitar a troca do produto, como prevê o Código de Defesa do Consumidor”.

A Bienal Internacional do Livro Rio, consagrada como o maior evento literário do país, dá voz a todos os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser.

O prefeito Crivella acabou promovendo o que tentou censurar. Foto Jornal GGN.


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