Enquanto Sérgio Moro não compareceu alegando a viagem oficial aos Estados Unidos, o jornalista Glenn Greenwald foi à Câmara dos Deputados nesta terça-feira (25), e com respostas afiadas aos ataques recebidos, falou sobre o conluio entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça do governo Bolsonaro e o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, para fraudar a democracia e agir com parcialidade nas decisões proferidas nos processos julgados na operação.
Fontes: Brasil de Fato; CorreioBraziliense; Vermelho; Quicando; Diário de Goiás; O Globo.
Durante mais de seis horas, Glenn fez a defesa da liberdade de imprensa e da transparência e reafirmou a autenticidade das conversas vazadas entre o ex-juiz e procuradores da Lava Jato, no aplicativo Telegram, que estão sendo publicadas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa, desde 9 de junho.
Para Glenn, a publicação das conversas fortalece a luta contra a corrupção no Brasil – principal mote da Operação Lava Jato. “Nosso papel como jornalistas é informar o público. É impossível lutar contra a corrupção usando um comportamento corrupto”, afirmou o jornalista.
Greenwald chamou a atenção para a prisão política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): “Imagina se você é acusado por crimes graves, vai para a prisão e depois descobre que o juiz que te condenou estava, o tempo todo, planejando, colaborando e construindo as acusações, enquanto fingia ser imparcial”.
“Nosso papel como jornalistas é informar o público, reportar material de interesse público e fortalecer a luta contra a corrupção. Mas, é impossível lutar contra a corrupção usando comportamento corrupto. É impossível, em uma democracia, ter Sérgio Moro ocupando um cargo público tão importante como o de ministro da Justiça”, completou.
A reunião foi marcada pela defesa do trabalho do jornalista e da importância das revelações para o país.
“Essa sessão é um fato de grande repercussão para o nosso país. É sintomático e simbólico que nós estejamos aqui na presença de um cidadão que está prestando elevadíssima contribuição ao Brasil. E aqui não esteja o ministro Sergio Moro, que inventou, às pressas, uma reunião estranha, marcada por muitas dúvidas. O trabalho de Glenn tem uma envergadura histórica para o Brasil porque permite fazer com que uma série de dúvidas, questionamentos e fatos estranhos em nosso país sejam confirmados”, afirmou o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA).
O parlamentar protocolou pedido para que Moro seja convocado à Câmara para prestar esclarecimentos sobre a gravidade das mensagens reveladas. Moro deveria comparecer nesta quarta-feira (26), na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), mas viajou para os Estados Unidos. O deputado também protocolou um pedido para que Moro explique detalhes da visita ao país e a agenda cumprida no país americano. As razões da visita aos EUA também são alvo de pedido de informações da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). De acordo com ela, não há divulgação sobre as atividades de Moro nos Estados Unidos.
“Ministro não tem agenda secreta. Ministro usa dinheiro público e precisa prestar esclarecimentos sobre sua agenda”, disse Perpétua.
Ataques – Glenn x Aliados do governo
Ao sofrer ataques por parte de alguns integrantes do governo, Glenn reafirmou que a Constituição protege e garante a liberdade de imprensa contra os ataques que Sergio Moro e o partido do governo estão tentando fazer.
“Ninguém tem medo do seu partido [PSL]. Nossa redação, os jornalistas brasileiros que estão agora trabalhando com essa reportagem para continuarmos publicando esses documentos até o final. Nem seu partido, nem o governo do Bolsonaro, nem Sergio Moro podem fazer nada para impedir isso”, disse em resposta a uma parlamentar aliada de Bolsonaro e Moro.
Greenwald criticou a conduta do ex-juiz Sérgio Moro, do procurador da República Deltan Dallagnol e da força tarefa da operação Lava Jato, na qual, segundo ele, o limite entre Justiça e procuradoria foi ultrapassado.
“O material mostrou, e vai continuar mostrando, que Sérgio Moro quebrou o Código de Ética diversas vezes. Ele era o chefe da força tarefa da Lava Jato, o chefe dos procuradores, e fingia que era um juiz neutro. Isso é um processo totalmente corrupto”, afirmou Glenn.
Ironia
Uma declaração do deputado José Medeiros (Pode-MT), da base governista, provocou forte reação de outros parlamentares durante o depoimento. Depois de fazer uma série de perguntas sobre dinheiro, relações políticas e espionagem, Medeiros questionou o jornalista sobre o “parceiro sexual” dele, o deputado David Miranda (PSOL-RJ).
— Parceiro sexual? — reagiram, surpresos, deputados que participam da sessão.
— Parceiro sexual, não! Marido — gritou a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ).
— Homofóbico! — gritaram outros deputados ao mesmo tempo.
O presidente da Comissão, Helder Salomão (PT-ES), pediu a exclusão do termo “parceiro sexual” da ata da audiência. Greenwald é casado com Miranda.
— Bota conge — sugeriu um outro deputado, no fundo da sala.
— Ele tem vergonha de ser casado com o Miranda? Não — tentou se explicar Medeiros.
O clima, que parecia esfriar, voltou a ficar tenso momentos depois. Medeiros interrompeu uma das respostas de Greenwald com uma outra pergunta de cunho sexual.
— O senhor não transa com seu parceiro?
A pergunta, em tom de deboche, irritou o presidente da Comissão.
— Deputado Medeiros, o senhor está faltando com o decoro! — bradou Salomão.
Em resposta, Greenwald disse que não é a primeira vez que Medeiros faz abordagem sobre ele com insinuações de caráter sexual. O jornalista lembrou que homofobia é crime e reafirmou que não há nada demais na relação dele com Miranda.
— Meu marido é meu marido — disse.
Mais ataques
A Policial Kátia Sastre (PL-SP) foi uma das opositoras. Em tom elevado, a parlamentar sugeriu que Glenn era um criminoso e deveria sair preso da reunião por publicar as conversas. A deputada, no entanto, assim como o próprio Moro, não questionou em momento algum a veracidade das conversas publicadas.
Em resposta, Glenn Greenwald agradeceu a “coragem” da deputada em, ao menos, fazer as acusações presencialmente. E rebateu o tom acusatório reafirmando que as ameaças vindas da base governista não impedirão que o material continue sendo publicado.
“O que está faltando ao discurso dela? Evidências. Ela traz apenas táticas de acusação. Ninguém tem medo dessas táticas. Nós temos uma redação cheia de jornalistas e estamos reportando tudo. Onde está sua evidência? Eu poderia sair do Brasil e publicar tudo, mas o Brasil tem garantido em sua Constituição a liberdade de imprensa. Ninguém tem medo das ameaças do seu partido”, disse o jornalista.
Em outro momento, Greenwald foi questionado sobre a inocência ou culpa de Lula. Ele disse, então, não defender nem “Lula livre” nem “Lula na cadeia”, mas uma “imprensa livre”. “O caso do Lula, acho que em um processo justo, tem que ter um juiz imparcial. Nao sei se ele é inocente, mas o processo não foi justo, quebraram as regras”, avaliou.
Conhecida por fazer parte da tropa de choque bolsonarista, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) também foi para cima de Glenn. Questionou a veracidade das informações e o desafiou a veicular todos os áudios durante a audiência.
Em resposta, Glenn afirmou que “jornalistas não recebem ordens do governo de como ou quando devem publicar reportagens” e afirmou que a deputada iria “se arrepender” quando os áudios viessem à tona.
“Então, nós começamos a reportar há duas semanas atrás. Áudios são muito difícil para reportar mas com certeza vamos soltar quando o material estiver pronto com responsabilidade para publicar e acho que você vai se arrepender muito a desejar que nós façamos isso”, alertou.
Após a resposta, parlamentares da oposição ovacionaram a resposta do jornalista, Carla Zambelli acompanhada de sua colega de partido Katia Sastre abandonaram a sessão e uma parlamentar da oposição às risadas gritou: “Fica querida, vai ter bolo”.
Sobre os próximos episódios da série de revelações, Glenn deu um pequeno spoiler: “A postura do Deltan foi tão subserviente que vocês vão sentir vergonha quando for divulgada”.
A líder da Minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) saiu em defesa do jornalista. Para ela, há uma disputa de versões encampadas pelo governo para tentar tirar a credibilidade das informações reveladas. Para Jandira é preciso que o foco se volte para o que importa: Moro.
“O crime não está aqui, no seu trabalho, na sua liberdade de escrever e no direito de exercer sua profissão, no direito de a sociedade conhecer a realidade dos acontecimentos. É grave o que está na rua. O que podemos dizer é que Moro não era juiz, mas o comandante da Operação Lava Jato. Isso é gravíssimo”, disse.
A parlamentar lembrou que um dos principais resultados da operação alterou os rumos políticos do país. “Tirou quem liderava as pesquisas”, lembrou Jandira, em referência à prisão do ex-presidente Lula, que era apontado como o preferido nas eleições de 2018, que acabou elegendo Jair Bolsonaro.
Repercussão
Os discursos da audiência viraram tópico do dia nas redes sociais: